Guille

Guille
Este é o Guille - o anjo com a "asa ferida"...

quinta-feira, 19 de abril de 2012

A Teoria das Cordas e os Angelmans

Outro dia, eu estava assistindo um programa no Discovery Science (adoro todos os canais da Discovery). Quem apresentava o programa era Stephen Hawking, o mega cientista que sofre de ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica) e o assunto era universos paralelos. Enquanto ele falava sobre multiversos, espaço-tempo, buracos de minhoca, coisas que pelo menos temos alguma ideia do se tratam, ia tudo bem.  Até que começou a falar da TEORIA DAS CORDAS. Eu já tinha ouvido falar muitas vezes sobre este assunto mas nunca me dei ao trabalho de pesquisar. Naquele dia decidi prestar atenção e tentar entender do que se tratava. O esforço foi em vão – não entendi NADA. Não me conformei e fui ao Google, e só consegui entender o seguinte:

“Os novos princípios matemáticos utilizados nesta teoria permitem aos físicos afirmar que o nosso universo possui 11 dimensões: 3 espaciais (altura, largura e comprimento), 1 temporal (tempo) e 7 dimensões recurvadas (sendo a estas atribuídas outras propriedades como massa e carga elétrica, por exemplo), o que explicaria as características das forças fundamentais da natureza .” Visualizando o que os físicos teóricos e matemáticos quiseram dizer, o universo seria isto:

 

                              teoria das cordas

A imagem faz sentido? Para mim também não...

Isso me fez pensar o seguinte: se eu não tenho o mínimo conhecimento básico sobre física teórica e matemática, como poderei entender o que estou vendo?

O mesmo se aplica aos nossos filhos: se eles não têm ideia de conceitos abstratos, como poderão entender imagens, fotos, desenhos, filmes, sinais, e tudo mais? Como poderão se comunicar, dar respostas concretas e corretas, entender causa e consequência, sem saberem o essencial? Como esperar que ele responda de forma pensada SIM ou NÃO se eles não fazem ideia do que estamos falando e do que realmente significa? Uma coisa é ter certeza do que eles querem dizer, outra é INTERPRETAR o que achamos que eles estão dizendo. E nós muitas vezes costumamos fazer isso: vemos o que queremos ver, entendemos o que queremos entender.

Quando o Guille era bem mais novo, durante muito tempo eu tentei ensinar a palheta de cores, começando pelas mais simples e básicas. Fiz cartões com coisas vermelhas, azuis, amarelas, verdes, pretas e brancas. Ele não conseguia aprender. Diminuí para apenas 3 cores: verde, vermelho e amarelo. De novo ele não conseguia acertar. Todo santo dia eu sentava com ele, ensinava, e nada. Mudei estratégias, substituí por blocos coloridos, balas coloridas e nada funcionava. Foi quando vi que ele pegava o saco de balas de goma e comia primeiro as vermelhas, depois as roxas, amarelas e alaranjadas, depois as verdes, e por último, as que sobravam...

blocos coloridos

Mas não foi desta vez que me dei conta das coisas. Em outra ocasião, resolvi ensinar as formas geométricas para ele. Círculo, quadrado, triângulo. Peguei a lousa e o giz e desenhava círculos: grandes, médicos, pequenos, e falava: CÍRCULO! CÍRCULO! E nada, só rabiscos. E continuava falando e ele continuava rabiscando. Até que a irritação me superou e eu falei:

- Caramba Guille, desenha uma bola aí!

E ele fez um círculo...

Fiquei entre feliz e pasma. Na hora eu não entendi o que tinha acontecido. Só depois eu me dei conta que o círculo é algo abstrato, e a cabecinha dele ainda não estava pronta para entender conceitos abstratos. Já a bola era algo concreto, ele sabia o que era uma bola. O mesmo vale para as cores: ele não sabia definir vermelho, mas sabia que as balinhas vermelhas eram mais gostosas!

Neste ponto eu me choco de frente com o LÚDICO. Atividade lúdica é todo e qualquer movimento que tem como objetivo produzir prazer quando de sua execução, ou seja, divertir o praticante. Na Educação Infantil, as atividades lúdicas são mais empregadas no aprendizado das crianças de 0 a 5 anos de idade, onde elas interagem umas com as outras, desempenham papéis sociais (papai e mamãe), desenvolvem a imaginação, criatividade e capacidade motora e de raciocínio. Alguns educadores julgam necessário que as brincadeiras sejam direcionadas e possuam um objetivo claro, sob o argumento de que são importantes no desenvolvimento afetivo, motor, mental, intelectual, social, enfim no desenvolvimento integral da criança. A brincadeira é mais que passatempo, ela ajuda no desenvolvimento, promovendo processos de socialização e descoberta do mundo.

Nossas crianças possuem um atraso intelectual severo, isso quer dizer que a cabecinha delas ainda não está madura o suficiente para entender o “faz-de-conta”. O lúdico é importante, sem dúvida, na hora que ela souber que o círculo amarelo com olhos e triangulos alaranjados simboliza um pintinho. Se ela nem sequer sabe o que é um pintinho, como é que ela vai saber que aquele negócio é um faz-de-conta que é um pintinho??

Por favor amigos profissionais... até eu que não estudei para isso, sei que não vai dar certo...

      pintinho-amarelinho

Este ano, pela 3ª vez eu participei da REATECH – a maior feira mundial de tecnologia de reabilitação, inclusão e acessibilidade do mundo, e pude conversar com profissionais e estudantes de diversas áreas: Fisioterapia, Terapia Ocupacional, Fonoaudiologia, Pedagogia, Equoterapeutas, entre outros. E todos eles me diziam a mesma coisa: tenho um aluno ou paciente que tem muitas destas características da Síndrome de Angelman e eu queria poder fazer mais por ele, mas não sei como. O que mais ouvi foi: “Ele não responde ao estímulo”; “Ele parece não entender o que eu estou falando”; “Ele faz as coisas aleatoriamente, como se não soubesse no que vai dar”; “Ele não se interessa pelo que estou propondo”.

Bem, assim como nós, que perdemos o interesse pelo assunto quando não entendemos do que estão falando, nossas crianças tampouco vão manifestar interesse por uma proposta de atividade, se não fizer sentido para eles. E para tudo existe a ação e a reação. Uma brincadeira simples que é o jogo de boliche. Se não ensinarmos que ao arremessar a bola nas garrafinhas elas vão cair, a criança vai ficar arremessando a bola para todos os lados – menos nas garrafinhas...

E mais: sou adepta da “coação” em certos casos... O Guille precisa usar óculos, mas ele não quer usá-los de jeito nenhum. Então estabelecemos a seguinte regra: quer brincar no computador? Então TEM que usar os óculos! E ele é tão louco para usar o computador, que se sujeita a ficar com eles. Pelo menos 1 hora ao dia ele usa. E já está dando resultado – quando saímos para passear ele está usando óculos escuros.

Óculos no computador 

Toda criança, com ou sem problemas, precisa ser educada. Se nós trancarmos qualquer criança dentro de casa, sem contato com o mundo e sem explicarmos o porquê das coisas para eles, fatalmente elas serão como o “MOGLI – o menino lobo”. Quantas histórias de crianças selvagens já ouvimos falar, pois estas crianças não tiveram contato e nem foram ensinadas a conhecer as coisas?

E o melhor é que podemos desenvolver 2 tarefas em um exercício só!! Eu imagino que na maioria das famílias com crianças deficientes, os pais passam 24 horas por dia, pensando no que podem fazer em casa para ajudar seu filho. Aqui em casa é assim. Isso porque não adianta pensar que 2 horas semanais de fisioterapia serão suficientes para a criança sentar, ou ficar de joelhos ou andar. 1 sessão de fonoaudiologia por semana não será suficiente para que ela aprenda a soprar as velinhas ou chupar o canudo. Nem 1 sessão de T.O. será o bastante para ela desenvolver a habilidade motora e o raciocínio lógico. Nós temos que ouvir o que o profissional nos aconselha e fazer em casa. E se aquilo que o profissional disse não estiver funcionando muito bem – invente outra coisa! Na foto abaixo, mostro um exemplo do que fazemos com o Guille. É uma brincadeira super simples, que nós mesmos fazíamos quando éramos pequenos: empurrar a bola com a testa até cair dentro do balde!

Ele é obrigado a vir engatinhando e controlar a direção da bola, olhar onde o balde está e empurrar com a força ideal para que ela entre no balde (para que não ultrapasse e nem pare antes).

Empurrando com a testa 

É claro que isso é cansativo para eles e para nós, mas tendo a paciência eles poderão fazer coisas fantásticas. Os que têm um espectro autista, com o tempo e estimulação, vão sair de seus casulos e se interessar por coisas maiores, mais difíceis e mais sofisticadas. Não deixem suas crianças sentadas no cadeirão ou no chiqueirinho, manuseando brinquedos repetitivos – isto só faz com que eles cada vez mais se fechem em seu mundo e repitam os mesmo movimentos repetitivos. Expliquem como funciona um brinquedo mais difícil ou invente uma brincadeira interessante e mais complexa.

Quer algo mais gostoso do que brincar com água, ainda mais neste calorão que está fazendo? Baldes com água, potes com farinha, feijões e tinta guache, fazem uma sujeira tremenda, mas estimula o autoconhecimento da criança: ela vai prestar atenção nas mãos, nos dedos, no formato dos pingos coloridos no chão. As cores se misturando, a “gororoba” da farinha com a água e a textura da massa. Isso fará com que o cérebro comece a questionar, tipo: “mas que porcaria engraçada é essa?!”

E com o tempo e toda esta estimulação e descobrimentos, estou certa e tenho o Guille como prova viva disto, que eles irão ter pensamentos mais elaborados. O Guille não pode ver uma câmera fotográfica que fica super entusiasmado. O Eduardo Guilhon, é um fotógrafo da SpecialKids, lá de Florianópolis e que pela 2ª vez veio visitar e trabalhar na Retech. É lógico que ele adora o Edu – mas mexer na máquina fotográfica é melhor ainda! E ele quer saber como funciona e o que faz cada coisa e botão... Coitado do Edu!

Reatech com Eduardo Guilhon 

Amigos e amigas de luta, não desistam, mas tentem pensar como eles. É difícil tentar entender o que se passa nestas cabecinhas – mas tenham certeza de que não estão vazias! Tem muita coisa lá dentro querendo entender e ser entendida.

Mas como eu disse no começo, antes de querer entender toda a complexidade da Teoria das cordas, temos que começar com o básico: 1+1...

Beijos do Guille e meus!

terça-feira, 6 de março de 2012

Falando com os anjos

No começo, quando nossos filhos são bebês ou pequenos, nossa grande preocupação é fato de não andarem. Conforme eles vão crescendo, ficamos aflitos pelo fato de não falarem. Não resta dúvida que ao conseguirem caminhar sozinhos, isso lhes dá maior autonomia e independência, o que possibilita novas descobertas, experiências táteis, a curiosidade sobre as coisas e a satisfação desta curiosidade. Isso é muito importante para o desenvolvimento intelectual e social das crianças.

Mas o fato de não conseguirem se comunicar é frustrante, tanto para eles, como para nós. É como estar encarcerado dentro de si mesmo; ainda que a mente esteja gritando, os outros não podem ouvir. É como olhar para um lago, ver os peixes, as algas, a água, sentir vontade de mergulhar neste mundo tão diferente, mas não saber nadar.

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Como pais, a angústia é não saber se está com fome ou com sede; se é fome de doce ou de salgado; se está chorando de dor ou de manha; onde está doendo, o que está sentindo, o que realmente quer... Agora imaginem a sensação de frustração e impotência deles, por não conseguirem se fazer entender! Alguns continuam reclamando, resmungando e chorando, até que “adivinhamos” o que eles querem. Outras crianças simplesmente se desinteressam e se fecham no seu mundinho e com o que está ao alcance de suas mãos. É de cortar o coração. E apesar da deficiência intelectual ser severa, a cabeça deles amadurece também. Eles não vão querer brinquedos infantis para sempre. Conforme vão crescendo, seus interesses também mudam.

Atualmente, os profissionais estão lançando mão de dispositivos eletrônicos e programas de computador que podem auxiliar na comunicação das crianças. Ainda que tenhamos desenvolvido aqui em casa, formas de comunicação com o Guille que funcionam muito bem (ele consegue “dizer” o que quer e nós conseguimos entender o que ele está “dizendo”), eu também fui atrás dos métodos de comunicação alternativa. O mais usado é o PECS – Picture Exchange Communication System – ou Sistema de Comunicação por Troca de Imagens. Basicamente, são figuras e símbolos que traduzem um significado. Como o quadro abaixo:

     PECS

Com o Guille isto não funcionou. Algumas das razões são claras. Se pedirmos para ele mostrar o “olho”, é mais simples para ele apontar para o próprio olho do que procurar a figura com um olho desenhado. O mesmo vale para as outras partes do corpo. Se pedirmos para ele o “copo”, ele vai até a cozinha, abre o armário e pega um copo. Ou se ele quer um copo, ele mesmo pega – não irá procurar a figura com o desenho de um copo para nos mostrar. Mas se não estivermos em casa, como ele “diz” copo? Ele aponta para a boca e dentro do contexto dá para entender na hora.

Outro motivo pelo qual o PECS não funcionou: algumas ilustrações não fazem sentido nenhum para ele! Vejam só o quadro abaixo:

    PECS2    

A 1ª figura significa ligar... ahnnn, então tá... não funcionaria nunca com ele! Se a luz está apagada e ele quer que acenda, ele aponta para a lâmpada e cobre os olhos com a mão. E vice-versa: se a luz estiver acesa e ele quer que seja apagada, ele aponta para a lâmpada e cobre os olhos. O mesmo sinal serve para acender ou apagar, depende do momento. A foto que significa “FEIA”... ainda bem que eles são inocentes a ponto de não julgarem se uma pessoa é feia ou bonita: para eles, todas as pessoas são iguais. Como ele faz para dizer feio ou bonito? Na tentativa de conseguir fazer com que ele sinalizasse de forma que todos pudessem compreender, e não apenas o círculo familiar, fui estudar LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais). Eu sempre quis saber os sinais e juntei o útil ao agradável. Tanto que dei continuidade aos estudos e se no momento não estou podendo ir pessoalmente às aulas, estudo pela internet. Alguns sinais são impossíveis, outros difíceis e outros adaptáveis. Um dos sinais que pude adaptar foi “BONITO”. Daí, quando ele quer dizer bonito, usa o sinal de LIBRAS. E para feio, ele simplesmente faz uma careta + sinal de “BONITO” + balança a cabeça negativamente = NÃO BONITO!!  A comunicação feita desta forma é mais rápida e fácil, ao menos para nós…

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Mas e com o uso de dispositivos eletrônicos como tablets, ipad, ipod e iphone? Abaixo descrevo os 5 programas mais usados atualmente:

Proloquo2Go: Um poderoso programa de comunicação alternativa para pessoas com dificuldade de fala; Os desenhos não faziam nenhum sentido para ele (alguns não faziam nem para mim…)

Grace: Um programa que permite a construção de frases por meio de figuras; Não experimentei;

iCommunicate: Um programa com muitos recursos para personalizar quadros de rotina, figuras para comunicação, etc; Este até que funcionou por um tempo com o Guille. Mas foi por pouco tempo…

First Then Visual Schedule:Uum programa para confecção de quadros de rotinas visuais; Eu achei meio complicado para ele usar sozinho – são grupo de atividades separados em blocos.

iConverse: Um aplicativo que pode servir de base para o PECS; Este era o mais barato e o que me agradou mais. As imagens são menos estilizadas e mais fáceis deles entenderem.

Mas vejam bem, não adianta esperar sentado… não existe um “pacote pronto”!

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O caminho mais comum é simplesmente fazer o download de várias aplicações diferentes, e explorá-las junto com a criança, numa atividade em conjunto com o terapeuta e com os pais, avaliando o interesse e a utilidade de cada uma. O site Gadgets DNA publicou em 2010 os 10 melhores aplicativos de iPad para crianças com dificuldades de comunicação. Além destes que mencionei acima, ainda existem:

AutismExpress: Um aplicativo para facilitar o reconhecimento e a expressão de emoções;

Stories2Learn: Um programa que permite a construção de historias para o treino de habilidades sociais;

MyTalkMobile: Um aplicativo que facilita a comunicação;

TapToTalk: Um programa com jeito de game para melhorar a comunicação;
iComm: Aplicativo que facilita o desenvolvimento da capacidade de comunicação verbal e escrita.

                 tablets

Como eu disse no começo, isto não funcionou muito bem com o Guille, mas com certeza pode e deve funcionar com outras crianças. Muitas não conseguem usar o mouse tradicional, então a facilidade do touch screen é ótima. A criança apenas toca na tela do dispositivo e usa os aplicativos. O Guille sabe e prefere usar o mouse. Ele adora o tablet, mas é apenas um brinquedo – fica arrastando ícones, abrindo pastas, teclando apenas para ouvir o que a gravação diz. Ou seja, ele não usa para o fim desejado. Em compensação, no notebook e usando o mouse, ele se encontrou! Procurei sites na internet com jogos que pudessem ajudá-lo, não a se comunicar, mas a aprender as coisas. Achei o site “jogos360.uol.com.br” que possui inúmeros tipos de joguinhos. Um dos que ele mais gosta e poderia literalmente passar horas jogando é o de SINUCA!! Ele fica extremamente concentrado e super focado no jogo. Filmei o Guille jogando e postei no YouTube. Vejam só que legal:

Por que eu acho bom o jogo de sinuca? Ele está aprendendo as cores das bolas, trabalhando a sintonia fina das mãos ao controlar a força nas tacadas, a questão de espaço, dimensão, causa e efeito, etc. Outro jogo que ele gosta muito é o simples Jogo da Velha. Claro que ele geralmente perde, mas o importante é que ele pense aonde pode colocar o X. Tem também os jogos de escolher e vestir roupas, o labirinto, o de fazer bolos; O que derruba o galinheiro e as galinhas se estabacam no chão e quebram os ovos, ele morre de rir... São tantas opções que só indo de uma por uma para saber.

Eu acredito que cada criança tenha seu modo preferido e que considera mais confortável de se comunicar. O importante é tentar todos eles e achar qual o que se adapta melhor às necessidades da criança e daqueles que a cercam. E uma coisa que é importantíssima: observe atentamente seu filho – eles mesmos criam seus gestos, sinais e expressões faciais. É vital entender o que eles significam e usá-las no seu dia a dia, para “cristalizar” na memória deles, para que isto seja parte de seu vocabulário.

Mais do que tudo, mostre o mundo e as coisas que existem nele para a criança. Vocabulário não é o que se fala verbalmente, e sim as palavras e seu significado conhecidas pela criança. E se eles sabem direitinho o que significa chocolate, praia, passear, brincar, certamente aprenderão rapidamente outras tantas palavras e objetos.

Beijos meus e do Guille!

 

Fotos: Laudiane Lira – www.laudianelira.com

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Nunca subestime um Angelman!

Recentemente vários pais que acabaram de receber o diagnóstico de sua criança, confirmando a Síndrome de Angelman entraram em contato comigo - e alguns outros que ainda estão sob investigação, mas a suspeita é bastante grande, também entraram em contato. Fico muito feliz quando me telefonam, me escrevem ou deixam mensagens no Facebook e no Orkut. Obviamente eu gostaria que todas as crianças não tivessem qualquer problema, mas uma vez que têm, adoro recebê-los de braços abertos. Quisera eu ser milionária ou presidente de uma grande empresa, ou muito influente, para poder fazer coisas mais efetivas, mas não é o meu caso... Então, tento ajudar da forma que posso, nem que seja apenas compartilhando minhas experiências com o Guille. Muitas destas famílias já fizeram uma busca na internet e acabaram achando o blog do Guille e então entram em contato. Outras ficam sabendo através de amigos ou profissionais. Seja da forma que for a minha satisfação é enorme.

Se existe algo em comum em todo ser humano, é a curiosidade. Quando descobrimos que temos um filho Angelman, imediatamente queremos saber tudo sobre a síndrome. E como eu já comentei antes, os textos que encontramos transmitem um quadro, na maioria das vezes desanimador. É então que queremos conhecer outros Angelmans.

Guille e Enzo    Guille + Enzo

Quando a família conhece outros Angelmans, as reações são diversas! Já me aconteceu de pais ficarem “passados” ao verem o Guille – dava para perceber a expressão de decepção. Já vi pais ficarem super felizes ao verem que ele conseguia andar de bicicleta; outros pais ficavam contentes apenas por conhecer outro Angelman, pois naquele momento se sentiam perdidos e sozinhos!

Reuniões da ACSA – Associação Comunidade Síndrome de Angelman, quando juntamos as crianças, inclusive com os irmãos deles que não têm qualquer deficiência, é uma alegria só. Todos brincam juntos, dividem os brinquedos e se divertem como se já se conhecessem há muito tempo. Não há diferença entre eles. Claro que o Guille que já tem 13 anos prefere brincar de carrinho, jogar bola e se interessa por atividades menos infantis, do que um Angelman de 2 ou 3 aninhos. Mas isso não é regra, pois se o brinquedo do amigo pequeno for MUITO legal, ou de encaixar, acender luzes e fizer barulho... já era!

Copa - Gui e Guille

Sem dúvida, alguns possuem dificuldade para caminhar, outros ainda não caminham e outros correm de um lado para o outro sem parar – o comprometimento físico varia de uma criança para outra. O Guille caminha sozinho e sem apoio, vai para onde quer, mas ele tem dificuldade para andar, usa goteiras (órteses) e em determinados passeios, cujo percurso é longo, não abrimos mão da cadeira de rodas – é mais confortável para ele e para nós. E como ele já aprendeu a manobrar muito bem a cadeira, ela dá uma liberdade “controlada”, ou seja, ele pode ir ver as coisas que interessam e nós temos aquela segurança de que ele não vai cair e se machucar, ou sair correndo e nem se meter em confusões antes de o alcançarmos.

Já ouvi de uma mãe cuja filha caminha super bem - e que por sinal, a menina não pára quieta um minuto – o seguinte comentário: “Você acha legal o fato dela andar bem, mas não sabe o trabalho que dá ficar correndo atrás dela o tempo todo!”. E realmente, a menina é danada prá caramba! Em um minuto ela pegou um brinquedo saiu correndo e jogou pela janela. Enquanto o pai ia “resgatar” o brinquedo jogado, ela já estava com outro na mão, prestes a arremessá-lo...

Corrida de cadeiras de rodas  Corrida de cadeiras de rodas na Reatech 2011

Mas algo que todos eles têm em comum é o comprometimento intelectual. Não importa se têm 3 ou 13 anos, a deficiência é severa e está presente em todos eles. E eu estou convicta de que todos eles têm potencial para fazer muito mais do que nós acreditamos. Eles têm limitações enormes, mas ninguém sabe até onde vão estas limitações, portanto, a palavra de ordem deve ser acreditar e insistir – eles conseguem nos entender muito bem assim como conseguem entender a própria dificuldade. A diferença entre eles e as outras crianças, é que estas vão atrás das coisas do mundo e aprendem, ao passo que com os Angelmans, nós temos que apresentar as coisas do mundo para eles, explicar, demonstrar até que eles aprendam. E eles aprendem, com certeza! Pode perguntar a qualquer mãe, se eles não aprendem a fazer coisas erradas em 1 minuto! Então, se aprendem o que não devem, também conseguem aprender o que é importante.

Estranhamente a noção de perfeição para nós muda, não apenas no sentido de aceitação da deficiência da criança; a perfeição passa a ser o melhor que eles conseguem fazer, mesmo que não esteja tão bom assim. O fato de conseguirem segurar a colher ou garfo e comerem sozinhos já é fabuloso, mesmo que eles não segurem o talher da forma adequada. E daí? O importante é que estão conseguindo comer sozinhos – dane-se a etiqueta.

Eles conseguem beber líquidos sem derramar tudo na roupa, ou entornar o copo no chão, então ótimo – estão fazendo por si só e não tem problema se pingar algumas gotas...

Almoço no Shopping  Água de Coco

Bolo & Torta 042  Almoço no Shopping2

Agora, que dá trabalho ensinar tudo para eles, isso dá. É irritante até. Você ensina mil vezes e eles não aprendem nas mil vezes. Mostra como se faz mais mil vezes, e eles fazem tudo errado. Damos bronca porque fez algo errado (ou até perigoso) e daqui a 5 minutos lá estão eles fazendo a mesma coisa. É de matar!

Eu confesso que não tenho lá muita paciência para ensinar o Guille. Minha mãe tem uma paciência e uma imaginação enormes e ensina tudo para o Guille. A minha parte na história é continuar treinando e estimulando o que ela ensinou, para que ele não esqueça. Por que também tem isso: se não continuarmos insistindo no que já aprenderam, eles esquecem. Se nós mesmos esquecemos aquilo que não usamos, o que se dirá eles, que já têm um comprometimento?

Isso é uma boa desculpa para fazermos coisas divertidas também! Como ir ao cinema. Ainda que receba ajuda para comprar o ingresso, ele se sente “importante” ao digitar na máquina e adquirir as entradas!

Cinemark standing     Cinemark - Compra

Cinemark - data  Cinemark - ticket

As nossas vidas se alteram completamente – nossa rotina diária gira totalmente em torno dele. Cada simples tarefa de casa é pensada para que ele tire algum proveito e aprenda algo. Desde o momento em que acorda até a hora de dormir. Ele tira os brinquedos da caixa, mas só pode ir fazer outra coisa depois de guardá-los todos de volta. Na hora do almoço ele ajuda, pegando as batatas, ou cebolas. Ele adora pegar as cabeças de alho e tirar os dentes... fica concentradíssimo! Descascar mexericas também é com ele.

Eu sempre adorei aviões, porta-aviões e helicópteros. Tentei fazê-lo gostar também – mas o negócio dele são os trens! Adora andar de Metrô. Então nos finais de semana sempre o levamos para passear de Metrô e trem. Mas mesmo no que é apenas um passeio, vamos ensinando algo para ele. Por exemplo: passar o cartão magnético no leitor da catraca, passar pela catraca, subir e descer escada rolante sozinho (depois que ele aprendeu, ficamos horas subindo e descendo feito bobos... rsrsrs). E ele vai direitinho, nem se desequilibra. Olha só:

         

Enfim, na minha leiga opinião, não acreditem em tudo que dizem os estudos e profissionais. Acreditem nos seus filhos e em vocês mesmos. E nunca achem que a outra criança consegue fazer algo e o seu não consegue: pelo contrário – devem pensar que se o outro consegue, o seu também pode conseguir.

Você não precisa acreditar em mim, mas acredite em você mesmo e no que seu filho é capaz de fazer!

Beijos meus e do Guille  ; )

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

ACSA – Associação Comunidade Síndrome de Angelman

Olá amigos! Agora estou com um pouco mais de tempo para escrever aqui no blog do Guille, e o motivo é justamente a ACSA

Logo ACSA

A ACSA foi fundada em 17 de outubro de 2009 na cidade de São Paulo, e sua peculiaridade consiste no fato da associação ter "nascido" de um "embrião da internet" - pela vontade e determinação de mães que por não conseguirem informações sobre a síndrome de seus filhos, recorreram à internet - e em uma comunidade do Orkut chamada Síndrome de Angelman encontraram inúmeras outras mães com os mesmos problemas, dúvidas e experiências para compartilharem. Daí surge o nome da associação, composta por mães espalhadas pelos diversos Estados do Brasil e do exterior. A maioria se conhece apenas por via eletrônica, mas os laços que nos unem estão longe de serem virtuais; pelo contrário, são muito reais.

Criação da ACSA  Guille ouvindo a leitura do Estatuto Social

A ACSA tem dentre outros objetivos divulgar a Síndrome de Angelman, visto que, enquanto esta síndrome é pouco conhecida e estudada aqui no Brasil, no exterior as pesquisas estão bastante avançadas e os pesquisadores, entre eles o prêmio Nobel de Química do ano de 2004, Dr. Aaron Ciechanover e Dr. Edwin Weeber, trabalham na possibilidade da primeira “CURA GENÉTICA” da história da medicina no sentido de conseguir a reversão dos sintomas clínicos da síndrome.

Congregar portadores da Síndrome de Angelman e seus familiares, profissionais da área de saúde e terapêutica, educação, esporte e da comunidade em geral;

Reunir, divulgar e promover ações objetivas, visando atingir os profissionais da saúde e a população em geral, embasados em informações técnico-científicas precisas referentes à Síndrome de Angelman;

Orientar pais e responsáveis de portadores da síndrome quanto a profissionais e órgãos públicos, sejam da área de saúde, esportes, educação, dentre outros;

ACSA4

Trabalhar junto aos governos em todas as esferas, entidades privadas e profissionais no sentido de obter benefícios e assistência em geral, estabelecer convênios e outros programas de desenvolvimento, integração e inclusão social visando principalmente a melhoria das condições gerais dos portadores e a gratuidade dos programas assistenciais;

Empregar seus melhores esforços junto aos governos municipais, estaduais e federal para a criação de mais unidades de análise e diagnóstico da Síndrome de Angelman no país;

Levantar fundos para custeio de programas de pesquisas, participar em estudos e sempre que possível patrocinar e realizar simpósios e congressos relativos à síndrome;

Promover intercâmbio com entidades congêneres em território nacional e no exterior;

Cadastrar e constituir um banco de dados o mais completo possível sobre os portadores da síndrome, com objetivo de realizar um mapeamento estatístico de âmbito nacional sobre a incidência da síndrome;

Orientar pais e/ou responsáveis de portadores da Síndrome de Angelman, quanto aos profissionais nas áreas da saúde, esporte, educação, entre outros, apoiando em especial aqueles cujos filhos forem recém diagnosticados ou cujo diagnóstico não for concludente, com programas de suporte e trocas de informações.

Criação ACSA Famílias

Desde a data da fundação até uma semana atrás, eu tive a honra de ser a presidente desta maravilhosa associação. Agora preciso descansar um pouco. Durante este período, tive a oportunidade de participar de inúmeros eventos, simpósios, conferências, caminhadas, além de conhecer pessoas maravilhosas que trabalham arduamente em prol de pessoas com deficiências, sejam elas quais forem.

Se você quiser conhecer a ACSA, não deixe de visitar o site: www.acsa.org.br ou envie um e-mail: acsa@acsa.org.br e contato@acsa.org.br

E eu continuo lutando e trabalhando com a ACSA em prol de todas estas crianças preciosas. Meu e-mail também está aqui, para quem precisar de informações, ou apenas conversar: adriana.ueda@acsa.org.br

Como não  continuar nesta luta, quando a gente vê essa risada?

Criação ACSA - Rindo muito!

domingo, 6 de novembro de 2011

Melatonina e a Síndrome de Angelman

A melatonina é um dos hormônios sintetizados pela glândula pineal. A epífise neural, glândula pineal ou simplesmente pineal é uma pequena glândula endócrina localizada perto do centro do cérebro, entre os dois hemisférios. Apesar das funções desta glândula serem muito discutidas, parece não haver dúvidas quanto ao importante papel que ela exerce na regulação dos chamados ciclos circadianos, que são os ciclos vitais (principalmente o sono) e no controle das atividades sexuais e de reprodução.

Quimicamente, é produzida em maior quatidade no período noturno, isto é, no escuro. A escuridão é o requisito absoluto para a sua produção e liberação, sendo que a luz rapidamente suprime a sua síntese. Por isso, a concentração de melatonina no sangue e nas céulas é de 3 a 10 vezes maior à noite.

Uma vez que as crianças com a síndrome de Angelman têm dificuldade para dormir, a produção e liberação da melatonina fica compometida. Daí pode decorrer uma série de problemas.

Glândula Pineal

Até pouco tempo atrás, sabia-se pouco sobre a melatonina, como, por exemplo, que ela interage com receptores específicos, produzindo alguns efeitos glandulares e mediando o ritmo circadiano (ciclo de sono/vigília em vinculação com o horário). Hoje sabe-se que a sua ação primária independe da interação com receptores, agindo como um potente antioxidante natural, varredor de radicais livres, e como protetor do DNA.

Radicais livres são átomos ou grupos de átomos muito instáveis e reativos, ávidos para se combinar com qualquer substância existente nas proximidades, na tentativa de reuperar sua estabilidade química. Alguns são produzidos por reações indispensáveis, porém quando gerados descontroladamente podem danificar proteías, lipídios e ácidos nucléicos, ocasionando uma série de doenças e acelerando o envelhecimento. No caso específico dos Angelmans, não temos que pensar apenas no auxílio ao sono, mas também nos efeitos negativos que os radicai livres podem causar, especialmente nestas crianças que já possuem problemas neurológicos decorrentes da síndrome. Temos que pensar em “proteger o cérebro” deles, que já possui uma série de dificuldades (plasticidade deficiente, transmissões de impulsos elétricos irregulares, convulsões que podem acarretar lesões, etc.).

Capacete

A melatonina sofre um decréscimo gradual com o envelhecimento. Nas pessoas com mais de 75 anos, seu ritmo de síntese nas 24 horas é somente uma pequena fração daquele observado em pessoas com 20 a 30 anos. Isso pode acenar com a possibilidade de utilizar a melatonina na prevenção e combate de doenças degenerativas.

Estudos modernos mostram que esta redução da melatonina e que causa o envelhecimento pode ser a alteração das estruturas do sistema nervoso central, que governam a síntese noturno do hormônio. Tais estruturas são expostas, durante toda a vida aos radicais livres e outros fatores agressivos, até que surgem lesões suficientes para diminuir a síntese da melatonina.

A melatonina é considerada um excelente antioxidante, tanto pelos seus efeitos fisiológicos e farmacológicos como pela ausência de efeitos colaterais. Mesmo quando empregada em altas doses e por vários anos, ela parece não provocar efeitos colaterais em seres humanos, exceto a indução ao sono. E é facilmente absorvida, seja pelos instestinos, pela mucosa oral ou nasal.

Ratinho com ursinho

Tratamento da insônia

A melatonina tem sido utilizada com realtivo sucesso no tratamento da insônia crônica, no caso de pessoas com síndrome do fuso horário (jet lag) e inversão da noite pelo dia (dissincronia circadiana). Mostra-se também um bom auxiliar no tratamento da ansiedade em suas várias formas, da depressão, da fadiga crônica, da hiperatividade e nos casos de confusão mental associada às doenças mentais.

Apesar de todos estes efeitos interessantes, a dcisão de ingerir ou ministrar a melatonina deve ser orientada por profissionais gabaritados, por ser ainda uma substância em estudos, cujos efeitos a médio e longo prazo podem variar de um indivíduo para o outro.

O mais importante é estar a par dos produtos que estão disponíveis no mercado e se estes poderão trazer algum benefício para os Angelmans. A falta de sono prejudica profundamente nossos filhos, pois é sabido que o cérebro das crianças cria as conexões durante o sono, por isso elas precisam dormir bem e bastante quando jovens. Não dá para aprender direito se o cérebro não está descansado.

Nada como uma boa noite de sono e mesmo um cochilo a tarde para restaurar as energias!

dormindo 1a

terça-feira, 28 de junho de 2011

Entrevista ao programa “PAPO DE MÃE”

Olá pessoal!

Eu sei que faz muito tempo que não atualizo o blog, mas estes últimos tempos têm sido uma loucura! Uma destas loucuras foi a participação no programa da TV Brasil, chamado “PAPO DE MÃE”, que vai ao ar todos os domingos às 19:00hs. Eu e o Guille fomo convidados a participar do programa cujo assunto era Doenças Raras. Como recebi muitos e-mails querendo saber mais sobre a Síndrome de Angelman, a produção do programa fez uma entrevista especial comigo, que foi publicado no blog deles.

Abaixo eu transcrevo as perguntas feitas pela produção e as respostas que dei. Fui o mais honesta possível. Muita gente pode discordar da minha posição, mas enfim, é a opinião de cada uma… espero que gostem! Beijos!

Papo de Mãe 010

 

Desta vez gostaríamos de voltar ao assunto do Papo de Mãe exibido em 29/05 - Doenças Raras -, para publicar esta entrevista com a Adriana Ueda, convidada presente no programa e mãe do Guille, portador da Síndrome de Angelman.
Muitas pessoas ficaram interessadas em saber mais sobre esta doença e por este motivo fizemos esta entrevista exclusiva para o blog. A propósito, o programa foi muito comentado e recebeu muitos elogios. Quem ainda não assistiu pode conferi-lo clicando http://www.papodemae.com.br/2011/06/papo-de-mae-sobre-doencas-raras.html


Fiquem agora com a entrevista. É muito esclarecedora. Vale a pena ler do início ao fim. Desde já agradecemos à Adriana por compartilhar conosco sua experiência!

 

Guille, filho da Adriana

Clarissa – Blog Papo de Mãe: Adriana, como você descobriu que seu filho era portador da Síndrome de Angelman?

Adriana Ueda: Em 7 de julho de 1998, na Maternidade Santa Joana, em São Paulo, nasceu meu querido e ansiosamente esperado bebê, Guilherme Ueda Skuplik, o Guille. Uma criança perfeita, saudável, cujo APGAR foi 9 e 10. Durante os primeiros meses ele teve apenas problemas comuns aos bebês: cólicas, resfriado, e coisas assim. Eu estava muito feliz e realizada com o meu filho. Por volta do 6º para o 7º mês, algumas pessoas diziam que ele já deveria estar rolando na cama sozinho, ou sustentando o tronco. Por outro lado, muitas diziam que cada criança tem seu tempo e eu deveria esperar. O tempo passou, passou e ele não progredia. 

Levei-o a um neuropediatra que pediu uma série de exames: hemogramas, Ressonância Magnética (RM), eletroencefalogramas (EEG), Tomografia computadorizada (TC) e apenas verificou-se que ele tinha uma pequena má formação no cérebro, que talvez fosse a causa do problema dele. Por fim o neuropediatra me disse que ele tinha alguma deficiência intelectual, sem saber exatamente o que poderia ser, foi classificado como PC – Paralisia Cerebral. Como o hemograma apresentou uma leve alteração na proteína lisinúrica (o que muito tempo depois fiquei sabendo, é algo relativamente comum em descendentes de orientais) fomos encaminhados ao então chamado Centro de Referência em Erros Inatos do Metabolismo (CREIM) da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina. Uma vez lá, tínhamos esperança de que teríamos o diagnótico preciso do problema do Guille, pois o CREIM (atual IGEIM - Instituto de Genética e Erros Inatos do Metabolismo) sempre obteve resultados excepcionais, especialmente nos casos de erros metabólicos. O diagnóstico que nos passaram era que, como ele não metabolizava a proteína lisinúrica, começaria a haver um acúmulo de amônia no organismo dele e este excesso de amônia acabaria por provocar uma desmielinização no cérebro dele. Com o tempo, a perda da mielina acabaria fazendo com que o cérebro dele parasse de conseguir controlar as funções mais básicas, como comer, evacuar e até mesmo respirar!

Ele começou a tomar Citrulina (um aminoácido que ajuda a eliminar o excesso de amônia) e iniciou uma dieta alimentar restritiva de proteínas, extremamente severa, na esperança de adiar os efeitos progressivos e degenerativos deste erro metabólico. Após 1 ano nesta dieta, onde a comida dele era pesada em balança de precisão, e era só um pinguinho de comida, não percebemos qualquer melhora no quadro dele - ao contrário, o Guille entrou num quadro de desnutrição absurdo! Era pele e osso. Foi quando minha mãe e eu, depois de muito pensar, decidimos: “Chega de dieta! Se for para morrer aos 7 anos e não aos 10 anos, como eles haviam estimado, que seja aos 7 anos e comendo o que quiser”. Ele já estava com 4 anos nesta época…

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E então comecei uma nova busca, atrás de respostas, tratamentos e possibilidade de cura. Ele já fazia fisioterapia, equoterapia, hidroginástica, terapia ocupacional, tudo que podia ser feito para ajudá-lo. Escaneei todos os exames do Guille, inclusive as RM, TC, EEG’s – e comecei a entrar em contato com todos os hospitais mundo afora, centros de estudos, faculdades e universidades, dos Estados Unidos até a Finlândia! Passava meus dias no trabalho e as noites em frente do computador, buscando por um e por outro que pudesse me dar uma luz.

A Dra. Alessandra Freitas que na época trabalhava na Neurologia do HC/SP, certa vez nos disse que suspeitava que ele tivesse Síndrome de Angelman. Comecei a perguntar nestes mesmos centros de estudos, hospitais e universidades sobre tal possibilidade. Até que um dia, uma médica chefe da Clínica Mayo nos Estados Unidos sugeriu que eu o levasse ao Dr. Fernando Kok, aqui mesmo em São Paulo, dizendo que se havia alguém que pudesse nos ajudar, seria ele. Imediatamente, marcamos uma consulta com o Dr. Fernando e após alguns minutos examinando o Guille, nos disse: “Esse menino tem a Síndrome de Angelman, com certeza.” Síndrome do quê??!! Confirmando o que a Dra. Alessandra já havia suspeitado, ele nos explicou brevemente o que era a Síndrome de Angelman (SA), mas por garantia, pediu que fizéssemos exames genéticos, no Instituto Genoma da USP. Ficamos “perdidos” tentando assimilar as informações, e fomos coletar sangue dele para os exames genéticos. Claro que neste meio tempo me embrenhei na internet buscando todas as informações sobre a SA disponíveis – e tudo que era descrito correspondia exatamente ao quadro do Guille.

E qual não foi a surpresa quando o exame genético deu negativo para SA!!! Eu não podia acreditar naquilo!! A Dra. Célia Koiffmann (uma cientista espetacular), geneticista do Instituto Genoma veio conversar conosco e disse que foram feitos os exames chamados METILAÇÃO e o FISH que acusam cerca de 70% dos casos de SA, porém existem casos em que estes exames não acusam o problema, e é necessário um exame mais específico, que infelizmente o Genoma não fazia. Além dos casos que eles chamam de “zona sombria”, onde não há anormalidades para os quais o mecanismo genético de manifestação é desconhecido. Para nosso espanto, em julho de 2009, recebi um telefonema da Dra. Célia Koiffmann que me deu uma informação bombástica: o exame do Guille finalmente tinha dado positivo para SA! Mas como assim??!!

A Dra. Mônica Varela, também do Inst. Genoma, em sua tese de pós- doutorado realizou exames em pacientes que tinham todas as características da AS, mas que os exames até então haviam dado negativo. Ela realizou um exame de análise molecular do sequenciamento genético, e BUM! Positivo para mutação no gene UBE3A... Eu quase não acreditei que depois de 8 anos, por fim, vinha a confirmação do exame genético!!

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Clarissa – Blog Papo de Mãe: Quais são as características desta síndrome e os cuidados que os portadores necessitam?

Adriana Ueda: 70% dos casos da SA é de deleção, perda de material genético no cromossomo 15 herdado da mãe. O caso do Guille é diferente: ocorreu uma mutação na seqüência genética, e só ocorre em 8% dos casos. Mas todos eles possuem: atraso do desenvolvimento motor e intelectual, funcionalmente severo; ausência de fala com uso de nenhuma ou quase nenhuma palavra apesar da capacidade de compreensão ser maior do que a de expressão verbal; problemas de movimento e equilíbrio, pouca coordenação dos movimentos musculares voluntários ao andar e/ou movimento trêmulo dos membros, possuindo um caminhar com braços levantados e flexionados; é freqüente qualquer combinação de riso e sorriso, uma “gargalhada neurológica” com uma aparência feliz (embora em alguns momentos este sorriso permanente seja apenas uma expressão motora, e não uma forma de comunicação), associada a uma personalidade facilmente excitável, com movimentos aleatórios das mãos, hipermotrocidade e hiperatividade, dificuldade de atenção; crises convulsivas; dificuldades para dormir, com sono intercortado; transtorno do Espectro Autista, variando de leve a severo; hipopigmentação da pele e cabelos – em geral possuem a pele mais clara que os pais, com olhos e cabelos claros nos casos de deleção; hipersensibilidade ao calor; muitos deles apresentam estrabismo.

Outros distúrbios secundários também podem ocorrer. Por conta desta série de problemas, as crianças precisam tomar medicação anticonvulsivante, medicação para controlar a hiperatividade e também medicação para dormir. Paralelamente, e tão importante quanto a medicação, são as terapias: fisioterapia, hidroterapia, equoterapia, terapia ocupacional, fonoaudiólogo, e outras tantas terapias que ajudem no desenvolvimento neuropsicomotor. Em muitos casos é necessário o uso de óteses (goteiras), cirurgias para corrigir o estrabismo, uso de Botox na musculatura das pernas a fim de evitar uma cirurgia no tendão do calcanhar, pois eles tendem a caminhar nas pontas dos pés, como “pés de bailarina”.

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Clarissa – Blog Papo de Mãe: Quais são as dificuldades que os pais de um portador de uma doença rara costumam enfrentar? Vocês se sentem excluídos pela sociedade?

Adriana Ueda: São muitas as dificuldades que os pais de crianças com síndromes genéticas raras, especialmente as que causam deficiência intelectual severa têm que enfrentar. Já começa na aceitação da doença do filho, a chamada “fase do luto”. Algumas mães aceitam com mais facilidade, outras permanecem na fase de “negação” do problema. Mas, independentemente do estado psicológico dos pais, as crianças precisam iniciar o mais breve possível as terapias, não apenas para que desenvolvam suas potencialidade, mas até para que não atrofiem os músculos, tendões; para que não desenvolvam problemas gástricos causados pelo refluxo, etc. São muitas as terapias e outro grande problema é o gasto com o atendimento. O sistema público de saúde possui projetos e trabalhos de reabilitação, mas no caso de nossos filhos, o caso é de HABILITAÇÃO. Eles precisam aprender tudo, desde engolir a água sem engasgar até o balanço do caminhar humano. É quase inacreditável que um problema genético tão pequeno traga conseqüências tão graves. Eles são como páginas em branco esperando para serem escritas.

Enquanto eles são pequenos, a sociedade e mesmo amigos e familiares não percebem muito a deficiência, porém, conforme eles vão ficando maiores, a diferença fica muito perceptível, especialmente a deficiência intelectual. A sociedade está aprendendo a lidar e aceitar os deficientes físicos, visuais, surdos, etc., mas os deficientes intelectuais ainda são vistos de forma diferente. As pessoas não gostam que eles se aproximem de seus filhos (como se fosse uma doença contagiosa), as crianças não querem brincar com eles, e nós pais, acabamos ficando aparte das outras mães, já que nossos desafios e problemas são outros além de notas baixas na escola ou preocupação com o uso indevido da internet!

Já ouvi muitas pessoas dizerem que eles são um “fardo” para os pais e para a sociedade, pois além de não produzirem nada, não geram renda e, ao contrário, só dão despesa!! Este talvez seja o maior absurdo que já ouvi. Qual criança sem problemas, teria que fazer tantas terapias, gerando emprego para profissionais ligados a saúde? Qual criança usaria fraldas até 7, 8 anos, alguns até já adultos? Quantas vezes uma criança sem deficiência precisa fazer exames, ir a médicos, comprar remédios de uso contínuo, como os nossos? Em tudo isso há impostos sendo recolhidos, geração de empregos, aquecimento no mercado de produtos especializados e específicos. Países como Estados Unidos e outros tantos na Europa se deram conta do grande filão que é o mercado para deficientes intelectuais. Existe um enorme investimento em pesquisa e desenvolvimento em todas as áreas, pois sabem que estas crianças serão “consumidores” para o resto da vida.

As crianças com deficiência intelectual e seus pais são excluídos sim! Por mais que queiram dizer o contrário, é muito raro ver políticos, artistas e grandes empresários sendo fotografados com deficientes intelectuais. Posar ao lado de um deficiente físico que ganha medalhas nas paraolimpíadas ou deficientes visuais que são exímios artistas é sinônimo de superação. Já ser visto ao lado de um deficiente intelectual, especialmente se sua aparência já imediatamente delatar esse problema, não é tão bonito. Ainda ouvimos chamarem nossas crianças de retardados, lesados, bobinhos, doidinhos...

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Clarissa – Blog Papo de Mãe: Qual a importância da união entre famílias de portadores das síndromes raras? Fale um pouco sobre a ACSA.

Adriana Ueda: Apesar de cada criança ser diferente da outra, em algumas coisas eles são idênticos, seja no problema, seja no comportamento. A SA só foi descoberta na década de 60 e ficou sem ser estudada até os anos 80. Então, além de ser muito recente ainda é uma doença rara. São poucas as informações e especialistas para a SA, sendo que, na maioria das vezes, os maiores progressos são obtidos pelo esforço dos pais. É quando o contato entre famílias com um Angelman é importante. O benefício para as mães (principalmente) é incrível – ela deixa de se sentir excluída, pois o que ela sente e diz, não é novidade para ninguém. A mãe que se sentia culpada pelo problema do filho percebe que não há de se falar em culpa; ela percebe que não é apenas o seu filho (a) que não consegue fazer determinada coisa. Outras mães dão incentivo, dicas, sugestões do que funcionou para seus filhos – esta troca de informação e experiência é muito benéfica para todos. Pessoas que não convivem com uma criança com problemas intelectuais, convulsões, que não andam nem falam, não têm idéia do peso desta carga que uma mãe de deficientes carrega em silêncio. Já quando encontram outras famílias com as mesmas preocupações e angústias, sentem-se livres para desabafar. Ainda melhor, elas podem ver outras crianças realizando coisas e percebem que se um conseguiu, o seu filho também poderá conseguir.

Quando eu soube do problema do Guille, imediatamente busquei ajuda na internet, e descobri que havia uma comunidade no Orkut chamada Síndrome de Angelman. Naquela época, éramos poucas mães e só ficávamos trocando idéias e relatando experiências. De poucos anos para cá (cerca de 4 a 5 anos) verificamos um grande número de mães participando da comunidade; houve um aumento significativo no nº de casos diagnosticados precocemente. De repente, vimos que todas enfrentávamos os mesmo problemas em qualquer parte do Brasil e do exterior e sentimos que já não bastava apenas trocar experiências, mas fazer algo objetivamente. Foi quando em 17 de outubro de 2009, fundamos a ACSA – Associação Comunidade Síndrome de Angelman, justamente por sermos todas vindas desta comunidade do Orkut. Foi um embrião eletrônico, um bebê virtual que nasceu, da vontade de mães por maior visibilidade para a AS, as crianças e, especialmente, as necessidades deles. Sou a presidente da ACSA desde sua fundação e apesar de ainda jovens e iniciantes, temos conquistado grandes vitórias – ainda que para a população em geral possa parecer mínima. Só a divulgação e esclarecimento sobre a SA junto aos médicos e profissionais de saúde já é um grande passo, já que em sua maioria, desconhecem esta síndrome, como tantas outras síndromes raras. Se esta divulgação ajudar a fechar o diagnóstico de uma criança que seja, já é uma vitória. Além do trabalho junto aos órgãos públicos, como a Sptrans, que já incluiu a SA no cadastro de beneficiados pelo Bilhete Único, e a Secretaria de Saúde de São Paulo, que atualizou seus registros e incluiu o CID da SA, que já existia na OMS (Organização Mundial de Saúde) desde 2007, mas no Brasil ainda não haviam sido atualizados os novos CIDs.

Não é uma tarefa fácil criar e manter uma associação – até o momento não temos qualquer patrocínio ou apoio. Todas as despesas com material de divulgação é pago com dinheiro dos pais, e ainda que estas despesas sejam pequenas para empresas, é pesada para os bolsos das famílias que já têm gastos com terapias, médicos, medicamentos, escolas especializadas, além das despesas normais de uma casa. É uma busca constante, um esforço quase hercúleo, mas pelos nossos anjos, vale a pena qualquer sacrifício.

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Clarissa – Blog Papo de Mãe: Que mensagem que você gostaria de deixar para os familiares de portadores de doenças raras e, principalmente, para a sociedade em geral?

Adriana Ueda: Eu diria que todas as pessoas com doenças raras, deficiência física ou intelectual têm suas limitações, porém não sabemos até onde vai este limite! Então, temos que insistir, persistir e nunca desistir. Também diria que, apesar das limitações e comportamento, eles não são bebês e não devem ser tratados como tal – eles precisam conviver em sociedade e, especialmente, ter a noção de como se comportar da melhor forma, pois a sociedade já tem a propensão a excluí-los e se não impusermos limites e educação comportamental, mais ainda eles serão excluídos. A sociedade também tem muito a aprender. Uma coisa que me deixa muito irritada, é quando me dizem que o Guille é uma “benção” para mim; ele é um “presente de Deus”, um “anjo que nos foi confiado”... “que somos mães especiais escolhidas por Deus”... Aí eu pergunto a quem me diz isso: -“Você gostaria de ter um filho assim? Ou um neto? Você pediria a Deus que seu filho fosse um anjo e receber este presente de Deus?” Claro que não – tudo o que queremos durante a gravidez é que eles nasçam saudáveis!! Então quem fala essas coisas, até pode pensar que está ajudando, ou consolando, mas não está! Esse discurso me parece hipócrita quando confrontado com a verdade nua e crua...

Eu diria aos pais com filhos deficientes que, enquanto não temos um diagnóstico, a impressão que temos é de estarmos à deriva num mar turbulento; ao recebermos o diagnóstico, é como chegar a uma ilha, que por mais inóspita e desconhecida que seja, é terra firme, e podemos começar uma outra jornada. E para aqueles que ainda não possuem o diagnóstico, que continuem nadando e lutando, pois cedo ou tarde chegarão ao seu destino, seja ele qual for.

Eles são seres muito especiais, no sentido em que, nunca se voltarão contra nós por maldade; sempre nos amarão, mesmo quando estivermos velhos, feios, doentes, sem dinheiro e sem pedir nada em troca; dependem de nós, tanto quanto dependemos deles. Eles trazem o melhor de nós à tona – o que se acha fraco encontra coragem para lutar contra o mundo; o tímido ergue sua voz para defender sua prole, o impaciente aprende a ter calma e paciência. E mais que tudo, aprendemos o sentido estrito da palavra desapego a coisas materiais que antes achávamos tão importantes e vitais, e que agora são bobagens. Nossas expectativas, sonhos e planos mudam radicalmente; a vitória é ver seu filho conseguir comer sozinho com as próprias mãos, ou caminhar ainda que de forma insegura. Descobrimos que temos uma força interior que desconhecíamos e, sobretudo, descobrimos como podemos amar tão incondicionalmente alguém, superando os próprios problemas, dores e doenças. No começo nos perguntamos como será nossas vidas com eles – no final nos perguntamos como poderíamos viver sem eles!!!

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domingo, 24 de abril de 2011

Síndrome de Angelman e a REATECH 2011

Para quem nunca ouviu falar na REATECH, ela é a Feira Internacional de Tecnologias em Reabilitação, Inclusão e Acessibilidade, a 2ª maior do mundo neste setor (perde apenas para a Alemanha) e reuniu expositores, que variam desde ONGs e associações de deficientes até fábricas e montadoras de veículos que mostraram tecnologias em modelos adaptados. Este ano foi comemorativo da 10ª edição da Reatech. Já vou avisando que esta postagem vai ser longa, pois tenho muita coisa para falar e mostrar!

Reatech 10ª edição Comemorativo da 10ª edição da Reatech

Deve ser coisa do destino, mas há muitos anos atrás eu visitei a Reatech, por dois anos seguidos, movida por mera curiosidade, apesar de já naquela época saber que o Guille tinha algum problema (até então ele não tinha o diagnóstico de SA). Quem diria que agora eu estaria pelo 2º ano consecutivo participando dela como EXPOSITORA, divulgando a Síndrome de Angelman!! De uma forma geral, a Reatech é destinada a pessoas com deficiências físicas, intelectuais, visuais, auditivas e múltiplas, seus familiares e profissionais que prestam serviços a este público, porém, cada vez mais vejo que o público está mais heterogêneo: pessoas sem qualquer deficiência ou familiar deficiente, visitam a feira para conhecer as novidade, “incluírem-se” neste universo tão pouco conhecido que é o mundo das deficiências de um modo geral.

Além dos expositores e dos deficientes, a Reatech reúne no mesmo evento, fisioterapeutas, equoterapeutas, fonoaudiólogos, médicos, ortopedistas, terapeutas ocupacionais, pedagogos, psicólogos, assistentes sociais, advogados, arquitetos, engenheiros, profissionais de RH, entre outros. A cada ano a Reatech fica mais interessante, e nesta 10ª edição ocorrida de 14 a 17 de abril, vi como surgem novas e mais coisas voltadas para deficientes. Incrível.

Reatech engenharia elevador     Reatech praia

Este mercado é um filão que está sendo descoberto pelas pessoas e empresas, e que descobriram que se fizerem as coisas direito e bem feitas, terão clientes cativos para o resto da vida.

“Para o resto da vida?!”

Sim, para o resto da vida. Apesar de nossa torcida para que a medicina desenvolva técnicas com células tronco que reabilitem pessoas que ficaram paraplégicas ou tetraplégicas, por enquanto os cadeirantes só podem contar com tecnologias que melhorem sua qualidade de vida, e isso vai desde cadeiras de melhor qualidade até colchões, almofadas e elevadores que podem ser instalados na escada da residência e aparelhos de ginástica específicos para cadeirantes

Reatech 2010 - dia2 019     Reatech cadeiras de rodas

Já ouvi muita gente dizer que deficientes intelectuais não geram riqueza, porque não trabalham; não são pessoas produtivas e só dão despesa... PÁRA TUDO!! Olha só que bobagem imensa essa...

Vou tomar como exemplo o Guille. Uma criança normal (e quando digo normal é sem deficiência - acho que nem preciso explicar muito o uso dos termos né?), usa fraldas até que idade? 3 ou 4 anos? Vamos dizer que até os 5 anos de idade. O Guille usou fraldas direto até os 5 anos. A partir daí ele aprendeu a pedir para fazer xixi e só colocávamos a fralda durante a noite. Agora aos 12 anos, só colocamos durante a noite preventivamente, porque geralmente ela amanhece seca. Que criança “normal” usaria fraldas até os 12 anos? Quanto nós gastamos em fraldas neste tempo todo? Quanto de imposto embutido em cada pacote de fralda foi arrecadado? E tem mais...

Ele faz hidroterapia, fisioterapia, sessões com psicóloga, equoterapia, etc... Quantos empregos estão sendo gerados? As órteses (goteiras) que ele usa e que precisam ser refeitas conforme ele cresce, não gera empregos especializados? Ele não trabalha, com certeza, mas no final das contas, ele gera muito mais lucro do que uma criança sem deficiência. É uma mera questão de contabilidade – contabilidade que por sinal os países do 1º mundo já fizeram e viram que os deficientes são uma fonte de renda, impostos e lucros permanente. Só aqui no Brasil que parece que não souberam fazer as contas...

Reatech 2010 - dia2 002  Reatech2010 - opening sorri goteiras1

Voltando à Reatech e o que há por lá. No caso dos Angelmans, de outras síndromes e doenças ou condições decorrentes de acidentes, em que a comunicação é um problema, existem formas de comunicação alternativa, seja através de pranchas com desenhos, placas, e até um dispositivo laser que permite ao usuário tetraplégico poder digitar palavras e escrever textos no computador, tendo inclusive a possibilidade de acoplar um sintetizador de voz que “fala” o que foi escrito. Igual ao usado pelo cientista Stephen Hawkins. As novas tecnologias desenvolvidas me surpreendem a cada nova edição da feira. E quem gosta de novidades fica deslumbrado!

Reatech2010 - opening micro eyeguided laser PC

       Comunicação alternativa     Reatech 2011 dia 4 005

Uma amiga que eu não via há mais de 25 anos me encontrou no Facebook. Ambas ficamos super felizes e tínhamos muitos assuntos para pôr em dia. Quando ela soube que eu estaria expondo na Reatech, disse que iria me visitar lá. Claro que quando ela entrou no pavilhão de exposições, ficou boquiaberta com a imensidão daquilo tudo. Quase não conseguiu me encontrar, já que é enorme a quantidade de estandes, e quando me achou foi aquela gritaria, beijos e abraços! Então perguntei se ela já tinha ouvido falar da Reatech ou visitado alguma vez. Ela disse que era a 1ª vez e que ficou chocada ao saber que os deficientes correspondem a 15% da população.

- “Aonde estão todos estes deficientes, estes 15% que a gente não vê?!”

Ela mesma respondeu: excluídos. Achei tão importante a visita dela a Reatech, no sentido de que é uma pessoa que não convive com um deficiente, ou seja, este universo não é parte do dia-a-dia dela. Pude ver através dos olhos dela, o que uma pessoa de fora enxerga. Claro que ela é uma pessoa inteligente, instruída, desprovida de preconceitos. Imagino que ela deve ter se sentido como Alice no País das Maravilhas, versão Hi Tech... grupos enormes de surdos conversando num agitar frenético de mãos; cadeiras de rodas circulando para cima e para baixo a todo vapor; deficientes visuais assistindo filmes no cinema adaptado para eles (pois é, tudo que está sendo exibido na tela é descrito e falado via fones de ouvido); havia pessoas pequenas, pessoas ainda mais pequenas, pessoas sem deficiência alguma... tudo junto e misturado!

visitantes 2 visitantes

Ela me disse que em determinado momento um pensamento cruzou sua cabeça e ela imediatamente se recriminou por isso. Haviam modelos nos estandes das montadoras de carros, e como em qualquer feira de automóveis, são mulheres lindas. Então de repente ela viu que a linda modelo não tinha um dos braços!

- “Ai que pena” – ela pensou – “Tão linda e sem um braço”. E imediatamente ela pensou consigo mesma: “Pena por quê??!! Ela é jovem, bonita, e mesmo sem um braço, está trabalhando, ganhando seu dinheiro e vivendo plenamente a vida”

Ela me contou isso tão espantada com a reação que teve, pois ela sabe que o deficiente não é para se ter dó ou pena, e ela não tem este tipo de preconceito ou conduta, mas, inconscientemente todos nós, de alguma forma acabamos tendo estes “lapsos”. Eu não me eximo do grupo não. De vez em quando me pego pensando algo assim e na hora me puno por pensar tal bobagem.

Reatech2010 - opening paintpé Pintores com os pés

A Reatech é um lugar para se fazer novos amigos também. Este ano o Guille ganhou um super amigo! O nome dele é Eduardo Guilhon! Quem já leu minhas postagens anteriores já conhece a SpecialKids Photography; quem não leu, é o seguinte: certa vez, uma mãe nos Estados Unidos levou seu filho deficiente para fazer uma sessão de fotos e o fotógrafo disse que não fazia fotos com crianças como o filho dela (sem comentários...). Até que depois de muita procura ela encontrou um fotógrafo que disse: “Nunca fiz, mas posso tentar”. A partir desta experiência surgiu a idéia de criar a SpecialKids Photography (SKP), que habilita fotógrafos a trabalhar com crianças com diferentes deficiências e promove um trabalho de inclusão social através da fotografia. A SpecialKids Latin América chegou ao Brasil ano passado através do fotógrafo Rubens Vieira, e o Guille foi uma das crianças a ser clicada por ele. Quem quiser ver e saber mais sobre o trabalho da SpecialKids e do Eduardo Guilhon é só visitar os sites:

http://specialkidsphotography.com.br/blog

http://www.guilhonfotografia.com.br/blog/

Abraço no amigo Rubens Rubens Vieira, fotógrafo da SpecialKids

  Guille clicado pelo Rubens para a SKP

Nesta 10ª Reatech a SpecialKids montou uma exposição fotográfica imensa e maravilhosa e uma das fotos exposta era do Guille!! Eu sou mãe coruja e fiquei lá babando... cada um que passava pela exposição eu falava: “Aquele ali é meu filho!” E quando as pessoas viam a foto e que o “modelo” estava ali ao vivo, todas queriam tirar fotos com o Guille... tiveram que me tirar do teto do pavilhão, pois eu estava flutuando nas nuvens, cheia de orgulho... hehehe

Mãe coruja!  Sou eu...

O Rubens apresentou o Guille ao Eduardo, e aí o negócio ficou sério... o Edu é um doce de pessoa, com uma câmera fotográfica ultra moderna pendurada no pescoço; o Guille é um cara-de-pau fanático por equipamentos eletrônicos (é só ter botões que ele ama). Foi amor à primeira vista – ou ao primeiro click... Bastou o Edu deixar o Guille mexer na câmera dele que a mágica aconteceu! E foi mágica mesmo!

Beijo no Edu Coisa de meninos

As fotos que o Edu tirou do Guille ficaram lindas, e o Edu deixou o Guille fotografar também! E as fotos que o Guille tirou ficaram ótimas!! Abaixou vai uma seqüência de fotos tirados do/pelo Guille:

Guille by Edu Guilhon

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  Guille e Felipe - Comic Book

  Guille sendo fotografado

 Guille com a visitante

Guille com o visitante

O mais interessante foi uma das fotos que o Guille tirou e o Eduardo só percebeu depois: como ele é muito alto, não fotografava os cadeirante; e como o Guille estava na cadeira, tirou fotos de cadeirantes... dupla perfeita – um tira fotos aéreas e o outro as fotos de campo!

 foto de campo Foto tirada pelo Guille

A Reatech também traz outras atrações: novas tecnologias, equipamentos e serviços para portadores de necessidades especiais; oportunidades no mercado de trabalho; esportes adaptados; terapias; fisioterapia e hidroterapia; higiene pessoal; informática; publicações; espaço interativo para apresentações artísticas, culturais e esportivas produzidas por e para pessoas com deficiência; etc.

Ela apresenta todos os meios de se promover a inclusão das pessoas com deficiência na sociedade. Oportunidades de empregos, nos mais variados setores. O encontro das mais diversas deficiências faz com que o respeito entre elas seja evidenciado. A participação de pessoas sem deficiência, por algum tipo de ligação, ou apenas por curiosidade é outro fator que chama atenção, pois elas têm curiosidade em saber um pouco sobre cada deficiência ou instituição.

Reatech - opening inis

Ah... meu sonho de consumo bem como o de inúmeros paraplégicos ou com deficiência em membros inferiores... para quem não sabe eu já operei a coluna 2 vezes, tenho Lúpus e artrite reumatóide – o que não me impediu de andar de moto até 2 anos atrás, quando fui atropelada por uma Kombi e aí acabou de vez com a minha coluna. A moto ainda está aqui olhando para mim, como se perguntasse “quando é que você vai me levar para passear de novo?” Bem, por enquanto não, já que a última cirurgia é muito recente, mas olha que legal as adaptações feitas. Estas são as nacionais (Burgman 125 e Burgman 400). Mas existem também as importadas, produzidas pela Bombardier.

Triciclo Burgman 125 Triciclo Burgman 400

Diversão não falta também! E para todas as idades e condições físicas. Não há criança que não tenha curiosidade e vontade de dar uma voltinha numa cadeira de rodas (quem disser que não é mentira!!). Então havia uma pista oval para corrida em cadeiras de rodas. O engraçado é que 90% dos “competidores” eram não cadeirantes! O Guille chegou em 2º lugar! Olha a cara dele chegando na linha final!

 Preparação para largadaChegada em 2º lugar

O Guille anda, mas em lugares muito grandes preferimos leva-lo na cadeira, pois ele se cansa rápido – fora o fato de que na hora que o deixei andar sozinho por 1 minuto ele esbarrou em 2 deficientes visuais e derrubou o 3º... foi o maior strike!

Havia também uma quadra de volley para amputados – todos jogam sentados – então os não amputados também podiam jogar! E os caras jogam muuuuito!! Cortam, levantam, bloqueiam... é show! O ex-jogador da Seleção Brasileira de Volley, Amaury, estava lá também.

volley colour volley bloqueio P&B

No último dia teve a premiação do campeonato de tênis de mesa para deficientes. Mas o trabalho que mais me deixou bem impressionada foi esse desta foto abaixo:

Daisy Bell Quanto vale a felicidade?

Esta moça de blusa amarela é deficiente visual. Então o rapaz vai no assento da frente guiando e pedalando e ela no assento de trás, pedalando. Ficaram andando de bicicleta por 30 minutos pelo lado externo do pavilhão. Ela nunca havia andando de bicicleta e estava super feliz com a sensação de estar andando de bicicleta. Não é demais poder fazer alguém feliz com uma coisa tão simples??!!

A SÍNDROME DE ANGELMAN

Nosso estande (ACSA) divulgando a Síndrome de Angelman foi um sucesso. Eu vou confessar que é o evento mais cansativo do calendário, pois são 4 dias em pé, por mais de 12 horas, distribuindo folders, explicando o que é a SA, respondendo perguntas... e quando acaba um grupo de pessoas, em seguida vem outro grupo e começa tudo de novo. Eu faço isso com o maior prazer, mas no fim a Reatech, a voz já era. Por isso quando dizem “você tá com cara de fim de Reatech” significa que você está acabado...rsrsrsrs. Mas o retorno é tão gratificante que isso é o de menos.

Estande da ACSA

No 3º dia de Reatech (sábado), meus pais foram com o Guille e me deram carona na volta. Eu estava que era um bagaço só. Minha mãe me perguntou se toda essa dor nas pernas, nas costas, no corpo todo valia a pena.

“Todo dia que eu consigo falar, nem que seja para 1 pessoa, o que é a Síndrome de Angelman, vale a pena.”

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