Guille

Guille
Este é o Guille - o anjo com a "asa ferida"...

quinta-feira, 19 de abril de 2012

A Teoria das Cordas e os Angelmans

Outro dia, eu estava assistindo um programa no Discovery Science (adoro todos os canais da Discovery). Quem apresentava o programa era Stephen Hawking, o mega cientista que sofre de ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica) e o assunto era universos paralelos. Enquanto ele falava sobre multiversos, espaço-tempo, buracos de minhoca, coisas que pelo menos temos alguma ideia do se tratam, ia tudo bem.  Até que começou a falar da TEORIA DAS CORDAS. Eu já tinha ouvido falar muitas vezes sobre este assunto mas nunca me dei ao trabalho de pesquisar. Naquele dia decidi prestar atenção e tentar entender do que se tratava. O esforço foi em vão – não entendi NADA. Não me conformei e fui ao Google, e só consegui entender o seguinte:

“Os novos princípios matemáticos utilizados nesta teoria permitem aos físicos afirmar que o nosso universo possui 11 dimensões: 3 espaciais (altura, largura e comprimento), 1 temporal (tempo) e 7 dimensões recurvadas (sendo a estas atribuídas outras propriedades como massa e carga elétrica, por exemplo), o que explicaria as características das forças fundamentais da natureza .” Visualizando o que os físicos teóricos e matemáticos quiseram dizer, o universo seria isto:

 

                              teoria das cordas

A imagem faz sentido? Para mim também não...

Isso me fez pensar o seguinte: se eu não tenho o mínimo conhecimento básico sobre física teórica e matemática, como poderei entender o que estou vendo?

O mesmo se aplica aos nossos filhos: se eles não têm ideia de conceitos abstratos, como poderão entender imagens, fotos, desenhos, filmes, sinais, e tudo mais? Como poderão se comunicar, dar respostas concretas e corretas, entender causa e consequência, sem saberem o essencial? Como esperar que ele responda de forma pensada SIM ou NÃO se eles não fazem ideia do que estamos falando e do que realmente significa? Uma coisa é ter certeza do que eles querem dizer, outra é INTERPRETAR o que achamos que eles estão dizendo. E nós muitas vezes costumamos fazer isso: vemos o que queremos ver, entendemos o que queremos entender.

Quando o Guille era bem mais novo, durante muito tempo eu tentei ensinar a palheta de cores, começando pelas mais simples e básicas. Fiz cartões com coisas vermelhas, azuis, amarelas, verdes, pretas e brancas. Ele não conseguia aprender. Diminuí para apenas 3 cores: verde, vermelho e amarelo. De novo ele não conseguia acertar. Todo santo dia eu sentava com ele, ensinava, e nada. Mudei estratégias, substituí por blocos coloridos, balas coloridas e nada funcionava. Foi quando vi que ele pegava o saco de balas de goma e comia primeiro as vermelhas, depois as roxas, amarelas e alaranjadas, depois as verdes, e por último, as que sobravam...

blocos coloridos

Mas não foi desta vez que me dei conta das coisas. Em outra ocasião, resolvi ensinar as formas geométricas para ele. Círculo, quadrado, triângulo. Peguei a lousa e o giz e desenhava círculos: grandes, médicos, pequenos, e falava: CÍRCULO! CÍRCULO! E nada, só rabiscos. E continuava falando e ele continuava rabiscando. Até que a irritação me superou e eu falei:

- Caramba Guille, desenha uma bola aí!

E ele fez um círculo...

Fiquei entre feliz e pasma. Na hora eu não entendi o que tinha acontecido. Só depois eu me dei conta que o círculo é algo abstrato, e a cabecinha dele ainda não estava pronta para entender conceitos abstratos. Já a bola era algo concreto, ele sabia o que era uma bola. O mesmo vale para as cores: ele não sabia definir vermelho, mas sabia que as balinhas vermelhas eram mais gostosas!

Neste ponto eu me choco de frente com o LÚDICO. Atividade lúdica é todo e qualquer movimento que tem como objetivo produzir prazer quando de sua execução, ou seja, divertir o praticante. Na Educação Infantil, as atividades lúdicas são mais empregadas no aprendizado das crianças de 0 a 5 anos de idade, onde elas interagem umas com as outras, desempenham papéis sociais (papai e mamãe), desenvolvem a imaginação, criatividade e capacidade motora e de raciocínio. Alguns educadores julgam necessário que as brincadeiras sejam direcionadas e possuam um objetivo claro, sob o argumento de que são importantes no desenvolvimento afetivo, motor, mental, intelectual, social, enfim no desenvolvimento integral da criança. A brincadeira é mais que passatempo, ela ajuda no desenvolvimento, promovendo processos de socialização e descoberta do mundo.

Nossas crianças possuem um atraso intelectual severo, isso quer dizer que a cabecinha delas ainda não está madura o suficiente para entender o “faz-de-conta”. O lúdico é importante, sem dúvida, na hora que ela souber que o círculo amarelo com olhos e triangulos alaranjados simboliza um pintinho. Se ela nem sequer sabe o que é um pintinho, como é que ela vai saber que aquele negócio é um faz-de-conta que é um pintinho??

Por favor amigos profissionais... até eu que não estudei para isso, sei que não vai dar certo...

      pintinho-amarelinho

Este ano, pela 3ª vez eu participei da REATECH – a maior feira mundial de tecnologia de reabilitação, inclusão e acessibilidade do mundo, e pude conversar com profissionais e estudantes de diversas áreas: Fisioterapia, Terapia Ocupacional, Fonoaudiologia, Pedagogia, Equoterapeutas, entre outros. E todos eles me diziam a mesma coisa: tenho um aluno ou paciente que tem muitas destas características da Síndrome de Angelman e eu queria poder fazer mais por ele, mas não sei como. O que mais ouvi foi: “Ele não responde ao estímulo”; “Ele parece não entender o que eu estou falando”; “Ele faz as coisas aleatoriamente, como se não soubesse no que vai dar”; “Ele não se interessa pelo que estou propondo”.

Bem, assim como nós, que perdemos o interesse pelo assunto quando não entendemos do que estão falando, nossas crianças tampouco vão manifestar interesse por uma proposta de atividade, se não fizer sentido para eles. E para tudo existe a ação e a reação. Uma brincadeira simples que é o jogo de boliche. Se não ensinarmos que ao arremessar a bola nas garrafinhas elas vão cair, a criança vai ficar arremessando a bola para todos os lados – menos nas garrafinhas...

E mais: sou adepta da “coação” em certos casos... O Guille precisa usar óculos, mas ele não quer usá-los de jeito nenhum. Então estabelecemos a seguinte regra: quer brincar no computador? Então TEM que usar os óculos! E ele é tão louco para usar o computador, que se sujeita a ficar com eles. Pelo menos 1 hora ao dia ele usa. E já está dando resultado – quando saímos para passear ele está usando óculos escuros.

Óculos no computador 

Toda criança, com ou sem problemas, precisa ser educada. Se nós trancarmos qualquer criança dentro de casa, sem contato com o mundo e sem explicarmos o porquê das coisas para eles, fatalmente elas serão como o “MOGLI – o menino lobo”. Quantas histórias de crianças selvagens já ouvimos falar, pois estas crianças não tiveram contato e nem foram ensinadas a conhecer as coisas?

E o melhor é que podemos desenvolver 2 tarefas em um exercício só!! Eu imagino que na maioria das famílias com crianças deficientes, os pais passam 24 horas por dia, pensando no que podem fazer em casa para ajudar seu filho. Aqui em casa é assim. Isso porque não adianta pensar que 2 horas semanais de fisioterapia serão suficientes para a criança sentar, ou ficar de joelhos ou andar. 1 sessão de fonoaudiologia por semana não será suficiente para que ela aprenda a soprar as velinhas ou chupar o canudo. Nem 1 sessão de T.O. será o bastante para ela desenvolver a habilidade motora e o raciocínio lógico. Nós temos que ouvir o que o profissional nos aconselha e fazer em casa. E se aquilo que o profissional disse não estiver funcionando muito bem – invente outra coisa! Na foto abaixo, mostro um exemplo do que fazemos com o Guille. É uma brincadeira super simples, que nós mesmos fazíamos quando éramos pequenos: empurrar a bola com a testa até cair dentro do balde!

Ele é obrigado a vir engatinhando e controlar a direção da bola, olhar onde o balde está e empurrar com a força ideal para que ela entre no balde (para que não ultrapasse e nem pare antes).

Empurrando com a testa 

É claro que isso é cansativo para eles e para nós, mas tendo a paciência eles poderão fazer coisas fantásticas. Os que têm um espectro autista, com o tempo e estimulação, vão sair de seus casulos e se interessar por coisas maiores, mais difíceis e mais sofisticadas. Não deixem suas crianças sentadas no cadeirão ou no chiqueirinho, manuseando brinquedos repetitivos – isto só faz com que eles cada vez mais se fechem em seu mundo e repitam os mesmo movimentos repetitivos. Expliquem como funciona um brinquedo mais difícil ou invente uma brincadeira interessante e mais complexa.

Quer algo mais gostoso do que brincar com água, ainda mais neste calorão que está fazendo? Baldes com água, potes com farinha, feijões e tinta guache, fazem uma sujeira tremenda, mas estimula o autoconhecimento da criança: ela vai prestar atenção nas mãos, nos dedos, no formato dos pingos coloridos no chão. As cores se misturando, a “gororoba” da farinha com a água e a textura da massa. Isso fará com que o cérebro comece a questionar, tipo: “mas que porcaria engraçada é essa?!”

E com o tempo e toda esta estimulação e descobrimentos, estou certa e tenho o Guille como prova viva disto, que eles irão ter pensamentos mais elaborados. O Guille não pode ver uma câmera fotográfica que fica super entusiasmado. O Eduardo Guilhon, é um fotógrafo da SpecialKids, lá de Florianópolis e que pela 2ª vez veio visitar e trabalhar na Retech. É lógico que ele adora o Edu – mas mexer na máquina fotográfica é melhor ainda! E ele quer saber como funciona e o que faz cada coisa e botão... Coitado do Edu!

Reatech com Eduardo Guilhon 

Amigos e amigas de luta, não desistam, mas tentem pensar como eles. É difícil tentar entender o que se passa nestas cabecinhas – mas tenham certeza de que não estão vazias! Tem muita coisa lá dentro querendo entender e ser entendida.

Mas como eu disse no começo, antes de querer entender toda a complexidade da Teoria das cordas, temos que começar com o básico: 1+1...

Beijos do Guille e meus!

terça-feira, 6 de março de 2012

Falando com os anjos

No começo, quando nossos filhos são bebês ou pequenos, nossa grande preocupação é fato de não andarem. Conforme eles vão crescendo, ficamos aflitos pelo fato de não falarem. Não resta dúvida que ao conseguirem caminhar sozinhos, isso lhes dá maior autonomia e independência, o que possibilita novas descobertas, experiências táteis, a curiosidade sobre as coisas e a satisfação desta curiosidade. Isso é muito importante para o desenvolvimento intelectual e social das crianças.

Mas o fato de não conseguirem se comunicar é frustrante, tanto para eles, como para nós. É como estar encarcerado dentro de si mesmo; ainda que a mente esteja gritando, os outros não podem ouvir. É como olhar para um lago, ver os peixes, as algas, a água, sentir vontade de mergulhar neste mundo tão diferente, mas não saber nadar.

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Como pais, a angústia é não saber se está com fome ou com sede; se é fome de doce ou de salgado; se está chorando de dor ou de manha; onde está doendo, o que está sentindo, o que realmente quer... Agora imaginem a sensação de frustração e impotência deles, por não conseguirem se fazer entender! Alguns continuam reclamando, resmungando e chorando, até que “adivinhamos” o que eles querem. Outras crianças simplesmente se desinteressam e se fecham no seu mundinho e com o que está ao alcance de suas mãos. É de cortar o coração. E apesar da deficiência intelectual ser severa, a cabeça deles amadurece também. Eles não vão querer brinquedos infantis para sempre. Conforme vão crescendo, seus interesses também mudam.

Atualmente, os profissionais estão lançando mão de dispositivos eletrônicos e programas de computador que podem auxiliar na comunicação das crianças. Ainda que tenhamos desenvolvido aqui em casa, formas de comunicação com o Guille que funcionam muito bem (ele consegue “dizer” o que quer e nós conseguimos entender o que ele está “dizendo”), eu também fui atrás dos métodos de comunicação alternativa. O mais usado é o PECS – Picture Exchange Communication System – ou Sistema de Comunicação por Troca de Imagens. Basicamente, são figuras e símbolos que traduzem um significado. Como o quadro abaixo:

     PECS

Com o Guille isto não funcionou. Algumas das razões são claras. Se pedirmos para ele mostrar o “olho”, é mais simples para ele apontar para o próprio olho do que procurar a figura com um olho desenhado. O mesmo vale para as outras partes do corpo. Se pedirmos para ele o “copo”, ele vai até a cozinha, abre o armário e pega um copo. Ou se ele quer um copo, ele mesmo pega – não irá procurar a figura com o desenho de um copo para nos mostrar. Mas se não estivermos em casa, como ele “diz” copo? Ele aponta para a boca e dentro do contexto dá para entender na hora.

Outro motivo pelo qual o PECS não funcionou: algumas ilustrações não fazem sentido nenhum para ele! Vejam só o quadro abaixo:

    PECS2    

A 1ª figura significa ligar... ahnnn, então tá... não funcionaria nunca com ele! Se a luz está apagada e ele quer que acenda, ele aponta para a lâmpada e cobre os olhos com a mão. E vice-versa: se a luz estiver acesa e ele quer que seja apagada, ele aponta para a lâmpada e cobre os olhos. O mesmo sinal serve para acender ou apagar, depende do momento. A foto que significa “FEIA”... ainda bem que eles são inocentes a ponto de não julgarem se uma pessoa é feia ou bonita: para eles, todas as pessoas são iguais. Como ele faz para dizer feio ou bonito? Na tentativa de conseguir fazer com que ele sinalizasse de forma que todos pudessem compreender, e não apenas o círculo familiar, fui estudar LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais). Eu sempre quis saber os sinais e juntei o útil ao agradável. Tanto que dei continuidade aos estudos e se no momento não estou podendo ir pessoalmente às aulas, estudo pela internet. Alguns sinais são impossíveis, outros difíceis e outros adaptáveis. Um dos sinais que pude adaptar foi “BONITO”. Daí, quando ele quer dizer bonito, usa o sinal de LIBRAS. E para feio, ele simplesmente faz uma careta + sinal de “BONITO” + balança a cabeça negativamente = NÃO BONITO!!  A comunicação feita desta forma é mais rápida e fácil, ao menos para nós…

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Mas e com o uso de dispositivos eletrônicos como tablets, ipad, ipod e iphone? Abaixo descrevo os 5 programas mais usados atualmente:

Proloquo2Go: Um poderoso programa de comunicação alternativa para pessoas com dificuldade de fala; Os desenhos não faziam nenhum sentido para ele (alguns não faziam nem para mim…)

Grace: Um programa que permite a construção de frases por meio de figuras; Não experimentei;

iCommunicate: Um programa com muitos recursos para personalizar quadros de rotina, figuras para comunicação, etc; Este até que funcionou por um tempo com o Guille. Mas foi por pouco tempo…

First Then Visual Schedule:Uum programa para confecção de quadros de rotinas visuais; Eu achei meio complicado para ele usar sozinho – são grupo de atividades separados em blocos.

iConverse: Um aplicativo que pode servir de base para o PECS; Este era o mais barato e o que me agradou mais. As imagens são menos estilizadas e mais fáceis deles entenderem.

Mas vejam bem, não adianta esperar sentado… não existe um “pacote pronto”!

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O caminho mais comum é simplesmente fazer o download de várias aplicações diferentes, e explorá-las junto com a criança, numa atividade em conjunto com o terapeuta e com os pais, avaliando o interesse e a utilidade de cada uma. O site Gadgets DNA publicou em 2010 os 10 melhores aplicativos de iPad para crianças com dificuldades de comunicação. Além destes que mencionei acima, ainda existem:

AutismExpress: Um aplicativo para facilitar o reconhecimento e a expressão de emoções;

Stories2Learn: Um programa que permite a construção de historias para o treino de habilidades sociais;

MyTalkMobile: Um aplicativo que facilita a comunicação;

TapToTalk: Um programa com jeito de game para melhorar a comunicação;
iComm: Aplicativo que facilita o desenvolvimento da capacidade de comunicação verbal e escrita.

                 tablets

Como eu disse no começo, isto não funcionou muito bem com o Guille, mas com certeza pode e deve funcionar com outras crianças. Muitas não conseguem usar o mouse tradicional, então a facilidade do touch screen é ótima. A criança apenas toca na tela do dispositivo e usa os aplicativos. O Guille sabe e prefere usar o mouse. Ele adora o tablet, mas é apenas um brinquedo – fica arrastando ícones, abrindo pastas, teclando apenas para ouvir o que a gravação diz. Ou seja, ele não usa para o fim desejado. Em compensação, no notebook e usando o mouse, ele se encontrou! Procurei sites na internet com jogos que pudessem ajudá-lo, não a se comunicar, mas a aprender as coisas. Achei o site “jogos360.uol.com.br” que possui inúmeros tipos de joguinhos. Um dos que ele mais gosta e poderia literalmente passar horas jogando é o de SINUCA!! Ele fica extremamente concentrado e super focado no jogo. Filmei o Guille jogando e postei no YouTube. Vejam só que legal:

Por que eu acho bom o jogo de sinuca? Ele está aprendendo as cores das bolas, trabalhando a sintonia fina das mãos ao controlar a força nas tacadas, a questão de espaço, dimensão, causa e efeito, etc. Outro jogo que ele gosta muito é o simples Jogo da Velha. Claro que ele geralmente perde, mas o importante é que ele pense aonde pode colocar o X. Tem também os jogos de escolher e vestir roupas, o labirinto, o de fazer bolos; O que derruba o galinheiro e as galinhas se estabacam no chão e quebram os ovos, ele morre de rir... São tantas opções que só indo de uma por uma para saber.

Eu acredito que cada criança tenha seu modo preferido e que considera mais confortável de se comunicar. O importante é tentar todos eles e achar qual o que se adapta melhor às necessidades da criança e daqueles que a cercam. E uma coisa que é importantíssima: observe atentamente seu filho – eles mesmos criam seus gestos, sinais e expressões faciais. É vital entender o que eles significam e usá-las no seu dia a dia, para “cristalizar” na memória deles, para que isto seja parte de seu vocabulário.

Mais do que tudo, mostre o mundo e as coisas que existem nele para a criança. Vocabulário não é o que se fala verbalmente, e sim as palavras e seu significado conhecidas pela criança. E se eles sabem direitinho o que significa chocolate, praia, passear, brincar, certamente aprenderão rapidamente outras tantas palavras e objetos.

Beijos meus e do Guille!

 

Fotos: Laudiane Lira – www.laudianelira.com

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Nunca subestime um Angelman!

Recentemente vários pais que acabaram de receber o diagnóstico de sua criança, confirmando a Síndrome de Angelman entraram em contato comigo - e alguns outros que ainda estão sob investigação, mas a suspeita é bastante grande, também entraram em contato. Fico muito feliz quando me telefonam, me escrevem ou deixam mensagens no Facebook e no Orkut. Obviamente eu gostaria que todas as crianças não tivessem qualquer problema, mas uma vez que têm, adoro recebê-los de braços abertos. Quisera eu ser milionária ou presidente de uma grande empresa, ou muito influente, para poder fazer coisas mais efetivas, mas não é o meu caso... Então, tento ajudar da forma que posso, nem que seja apenas compartilhando minhas experiências com o Guille. Muitas destas famílias já fizeram uma busca na internet e acabaram achando o blog do Guille e então entram em contato. Outras ficam sabendo através de amigos ou profissionais. Seja da forma que for a minha satisfação é enorme.

Se existe algo em comum em todo ser humano, é a curiosidade. Quando descobrimos que temos um filho Angelman, imediatamente queremos saber tudo sobre a síndrome. E como eu já comentei antes, os textos que encontramos transmitem um quadro, na maioria das vezes desanimador. É então que queremos conhecer outros Angelmans.

Guille e Enzo    Guille + Enzo

Quando a família conhece outros Angelmans, as reações são diversas! Já me aconteceu de pais ficarem “passados” ao verem o Guille – dava para perceber a expressão de decepção. Já vi pais ficarem super felizes ao verem que ele conseguia andar de bicicleta; outros pais ficavam contentes apenas por conhecer outro Angelman, pois naquele momento se sentiam perdidos e sozinhos!

Reuniões da ACSA – Associação Comunidade Síndrome de Angelman, quando juntamos as crianças, inclusive com os irmãos deles que não têm qualquer deficiência, é uma alegria só. Todos brincam juntos, dividem os brinquedos e se divertem como se já se conhecessem há muito tempo. Não há diferença entre eles. Claro que o Guille que já tem 13 anos prefere brincar de carrinho, jogar bola e se interessa por atividades menos infantis, do que um Angelman de 2 ou 3 aninhos. Mas isso não é regra, pois se o brinquedo do amigo pequeno for MUITO legal, ou de encaixar, acender luzes e fizer barulho... já era!

Copa - Gui e Guille

Sem dúvida, alguns possuem dificuldade para caminhar, outros ainda não caminham e outros correm de um lado para o outro sem parar – o comprometimento físico varia de uma criança para outra. O Guille caminha sozinho e sem apoio, vai para onde quer, mas ele tem dificuldade para andar, usa goteiras (órteses) e em determinados passeios, cujo percurso é longo, não abrimos mão da cadeira de rodas – é mais confortável para ele e para nós. E como ele já aprendeu a manobrar muito bem a cadeira, ela dá uma liberdade “controlada”, ou seja, ele pode ir ver as coisas que interessam e nós temos aquela segurança de que ele não vai cair e se machucar, ou sair correndo e nem se meter em confusões antes de o alcançarmos.

Já ouvi de uma mãe cuja filha caminha super bem - e que por sinal, a menina não pára quieta um minuto – o seguinte comentário: “Você acha legal o fato dela andar bem, mas não sabe o trabalho que dá ficar correndo atrás dela o tempo todo!”. E realmente, a menina é danada prá caramba! Em um minuto ela pegou um brinquedo saiu correndo e jogou pela janela. Enquanto o pai ia “resgatar” o brinquedo jogado, ela já estava com outro na mão, prestes a arremessá-lo...

Corrida de cadeiras de rodas  Corrida de cadeiras de rodas na Reatech 2011

Mas algo que todos eles têm em comum é o comprometimento intelectual. Não importa se têm 3 ou 13 anos, a deficiência é severa e está presente em todos eles. E eu estou convicta de que todos eles têm potencial para fazer muito mais do que nós acreditamos. Eles têm limitações enormes, mas ninguém sabe até onde vão estas limitações, portanto, a palavra de ordem deve ser acreditar e insistir – eles conseguem nos entender muito bem assim como conseguem entender a própria dificuldade. A diferença entre eles e as outras crianças, é que estas vão atrás das coisas do mundo e aprendem, ao passo que com os Angelmans, nós temos que apresentar as coisas do mundo para eles, explicar, demonstrar até que eles aprendam. E eles aprendem, com certeza! Pode perguntar a qualquer mãe, se eles não aprendem a fazer coisas erradas em 1 minuto! Então, se aprendem o que não devem, também conseguem aprender o que é importante.

Estranhamente a noção de perfeição para nós muda, não apenas no sentido de aceitação da deficiência da criança; a perfeição passa a ser o melhor que eles conseguem fazer, mesmo que não esteja tão bom assim. O fato de conseguirem segurar a colher ou garfo e comerem sozinhos já é fabuloso, mesmo que eles não segurem o talher da forma adequada. E daí? O importante é que estão conseguindo comer sozinhos – dane-se a etiqueta.

Eles conseguem beber líquidos sem derramar tudo na roupa, ou entornar o copo no chão, então ótimo – estão fazendo por si só e não tem problema se pingar algumas gotas...

Almoço no Shopping  Água de Coco

Bolo & Torta 042  Almoço no Shopping2

Agora, que dá trabalho ensinar tudo para eles, isso dá. É irritante até. Você ensina mil vezes e eles não aprendem nas mil vezes. Mostra como se faz mais mil vezes, e eles fazem tudo errado. Damos bronca porque fez algo errado (ou até perigoso) e daqui a 5 minutos lá estão eles fazendo a mesma coisa. É de matar!

Eu confesso que não tenho lá muita paciência para ensinar o Guille. Minha mãe tem uma paciência e uma imaginação enormes e ensina tudo para o Guille. A minha parte na história é continuar treinando e estimulando o que ela ensinou, para que ele não esqueça. Por que também tem isso: se não continuarmos insistindo no que já aprenderam, eles esquecem. Se nós mesmos esquecemos aquilo que não usamos, o que se dirá eles, que já têm um comprometimento?

Isso é uma boa desculpa para fazermos coisas divertidas também! Como ir ao cinema. Ainda que receba ajuda para comprar o ingresso, ele se sente “importante” ao digitar na máquina e adquirir as entradas!

Cinemark standing     Cinemark - Compra

Cinemark - data  Cinemark - ticket

As nossas vidas se alteram completamente – nossa rotina diária gira totalmente em torno dele. Cada simples tarefa de casa é pensada para que ele tire algum proveito e aprenda algo. Desde o momento em que acorda até a hora de dormir. Ele tira os brinquedos da caixa, mas só pode ir fazer outra coisa depois de guardá-los todos de volta. Na hora do almoço ele ajuda, pegando as batatas, ou cebolas. Ele adora pegar as cabeças de alho e tirar os dentes... fica concentradíssimo! Descascar mexericas também é com ele.

Eu sempre adorei aviões, porta-aviões e helicópteros. Tentei fazê-lo gostar também – mas o negócio dele são os trens! Adora andar de Metrô. Então nos finais de semana sempre o levamos para passear de Metrô e trem. Mas mesmo no que é apenas um passeio, vamos ensinando algo para ele. Por exemplo: passar o cartão magnético no leitor da catraca, passar pela catraca, subir e descer escada rolante sozinho (depois que ele aprendeu, ficamos horas subindo e descendo feito bobos... rsrsrs). E ele vai direitinho, nem se desequilibra. Olha só:

         

Enfim, na minha leiga opinião, não acreditem em tudo que dizem os estudos e profissionais. Acreditem nos seus filhos e em vocês mesmos. E nunca achem que a outra criança consegue fazer algo e o seu não consegue: pelo contrário – devem pensar que se o outro consegue, o seu também pode conseguir.

Você não precisa acreditar em mim, mas acredite em você mesmo e no que seu filho é capaz de fazer!

Beijos meus e do Guille  ; )