Outro dia, eu estava assistindo um programa no Discovery Science (adoro todos os canais da Discovery). Quem apresentava o programa era Stephen Hawking, o mega cientista que sofre de ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica) e o assunto era universos paralelos. Enquanto ele falava sobre multiversos, espaço-tempo, buracos de minhoca, coisas que pelo menos temos alguma ideia do se tratam, ia tudo bem. Até que começou a falar da TEORIA DAS CORDAS. Eu já tinha ouvido falar muitas vezes sobre este assunto mas nunca me dei ao trabalho de pesquisar. Naquele dia decidi prestar atenção e tentar entender do que se tratava. O esforço foi em vão – não entendi NADA. Não me conformei e fui ao Google, e só consegui entender o seguinte:
“Os novos princípios matemáticos utilizados nesta teoria permitem aos físicos afirmar que o nosso universo possui 11 dimensões: 3 espaciais (altura, largura e comprimento), 1 temporal (tempo) e 7 dimensões recurvadas (sendo a estas atribuídas outras propriedades como massa e carga elétrica, por exemplo), o que explicaria as características das forças fundamentais da natureza .” Visualizando o que os físicos teóricos e matemáticos quiseram dizer, o universo seria isto:
A imagem faz sentido? Para mim também não...
Isso me fez pensar o seguinte: se eu não tenho o mínimo conhecimento básico sobre física teórica e matemática, como poderei entender o que estou vendo?
O mesmo se aplica aos nossos filhos: se eles não têm ideia de conceitos abstratos, como poderão entender imagens, fotos, desenhos, filmes, sinais, e tudo mais? Como poderão se comunicar, dar respostas concretas e corretas, entender causa e consequência, sem saberem o essencial? Como esperar que ele responda de forma pensada SIM ou NÃO se eles não fazem ideia do que estamos falando e do que realmente significa? Uma coisa é ter certeza do que eles querem dizer, outra é INTERPRETAR o que achamos que eles estão dizendo. E nós muitas vezes costumamos fazer isso: vemos o que queremos ver, entendemos o que queremos entender.
Quando o Guille era bem mais novo, durante muito tempo eu tentei ensinar a palheta de cores, começando pelas mais simples e básicas. Fiz cartões com coisas vermelhas, azuis, amarelas, verdes, pretas e brancas. Ele não conseguia aprender. Diminuí para apenas 3 cores: verde, vermelho e amarelo. De novo ele não conseguia acertar. Todo santo dia eu sentava com ele, ensinava, e nada. Mudei estratégias, substituí por blocos coloridos, balas coloridas e nada funcionava. Foi quando vi que ele pegava o saco de balas de goma e comia primeiro as vermelhas, depois as roxas, amarelas e alaranjadas, depois as verdes, e por último, as que sobravam...
Mas não foi desta vez que me dei conta das coisas. Em outra ocasião, resolvi ensinar as formas geométricas para ele. Círculo, quadrado, triângulo. Peguei a lousa e o giz e desenhava círculos: grandes, médicos, pequenos, e falava: CÍRCULO! CÍRCULO! E nada, só rabiscos. E continuava falando e ele continuava rabiscando. Até que a irritação me superou e eu falei:
- Caramba Guille, desenha uma bola aí!
E ele fez um círculo...
Fiquei entre feliz e pasma. Na hora eu não entendi o que tinha acontecido. Só depois eu me dei conta que o círculo é algo abstrato, e a cabecinha dele ainda não estava pronta para entender conceitos abstratos. Já a bola era algo concreto, ele sabia o que era uma bola. O mesmo vale para as cores: ele não sabia definir vermelho, mas sabia que as balinhas vermelhas eram mais gostosas!
Neste ponto eu me choco de frente com o LÚDICO. Atividade lúdica é todo e qualquer movimento que tem como objetivo produzir prazer quando de sua execução, ou seja, divertir o praticante. Na Educação Infantil, as atividades lúdicas são mais empregadas no aprendizado das crianças de 0 a 5 anos de idade, onde elas interagem umas com as outras, desempenham papéis sociais (papai e mamãe), desenvolvem a imaginação, criatividade e capacidade motora e de raciocínio. Alguns educadores julgam necessário que as brincadeiras sejam direcionadas e possuam um objetivo claro, sob o argumento de que são importantes no desenvolvimento afetivo, motor, mental, intelectual, social, enfim no desenvolvimento integral da criança. A brincadeira é mais que passatempo, ela ajuda no desenvolvimento, promovendo processos de socialização e descoberta do mundo.
Nossas crianças possuem um atraso intelectual severo, isso quer dizer que a cabecinha delas ainda não está madura o suficiente para entender o “faz-de-conta”. O lúdico é importante, sem dúvida, na hora que ela souber que o círculo amarelo com olhos e triangulos alaranjados simboliza um pintinho. Se ela nem sequer sabe o que é um pintinho, como é que ela vai saber que aquele negócio é um faz-de-conta que é um pintinho??
Por favor amigos profissionais... até eu que não estudei para isso, sei que não vai dar certo...
Este ano, pela 3ª vez eu participei da REATECH – a maior feira mundial de tecnologia de reabilitação, inclusão e acessibilidade do mundo, e pude conversar com profissionais e estudantes de diversas áreas: Fisioterapia, Terapia Ocupacional, Fonoaudiologia, Pedagogia, Equoterapeutas, entre outros. E todos eles me diziam a mesma coisa: tenho um aluno ou paciente que tem muitas destas características da Síndrome de Angelman e eu queria poder fazer mais por ele, mas não sei como. O que mais ouvi foi: “Ele não responde ao estímulo”; “Ele parece não entender o que eu estou falando”; “Ele faz as coisas aleatoriamente, como se não soubesse no que vai dar”; “Ele não se interessa pelo que estou propondo”.
Bem, assim como nós, que perdemos o interesse pelo assunto quando não entendemos do que estão falando, nossas crianças tampouco vão manifestar interesse por uma proposta de atividade, se não fizer sentido para eles. E para tudo existe a ação e a reação. Uma brincadeira simples que é o jogo de boliche. Se não ensinarmos que ao arremessar a bola nas garrafinhas elas vão cair, a criança vai ficar arremessando a bola para todos os lados – menos nas garrafinhas...
E mais: sou adepta da “coação” em certos casos... O Guille precisa usar óculos, mas ele não quer usá-los de jeito nenhum. Então estabelecemos a seguinte regra: quer brincar no computador? Então TEM que usar os óculos! E ele é tão louco para usar o computador, que se sujeita a ficar com eles. Pelo menos 1 hora ao dia ele usa. E já está dando resultado – quando saímos para passear ele está usando óculos escuros.
Toda criança, com ou sem problemas, precisa ser educada. Se nós trancarmos qualquer criança dentro de casa, sem contato com o mundo e sem explicarmos o porquê das coisas para eles, fatalmente elas serão como o “MOGLI – o menino lobo”. Quantas histórias de crianças selvagens já ouvimos falar, pois estas crianças não tiveram contato e nem foram ensinadas a conhecer as coisas?
E o melhor é que podemos desenvolver 2 tarefas em um exercício só!! Eu imagino que na maioria das famílias com crianças deficientes, os pais passam 24 horas por dia, pensando no que podem fazer em casa para ajudar seu filho. Aqui em casa é assim. Isso porque não adianta pensar que 2 horas semanais de fisioterapia serão suficientes para a criança sentar, ou ficar de joelhos ou andar. 1 sessão de fonoaudiologia por semana não será suficiente para que ela aprenda a soprar as velinhas ou chupar o canudo. Nem 1 sessão de T.O. será o bastante para ela desenvolver a habilidade motora e o raciocínio lógico. Nós temos que ouvir o que o profissional nos aconselha e fazer em casa. E se aquilo que o profissional disse não estiver funcionando muito bem – invente outra coisa! Na foto abaixo, mostro um exemplo do que fazemos com o Guille. É uma brincadeira super simples, que nós mesmos fazíamos quando éramos pequenos: empurrar a bola com a testa até cair dentro do balde!
Ele é obrigado a vir engatinhando e controlar a direção da bola, olhar onde o balde está e empurrar com a força ideal para que ela entre no balde (para que não ultrapasse e nem pare antes).
É claro que isso é cansativo para eles e para nós, mas tendo a paciência eles poderão fazer coisas fantásticas. Os que têm um espectro autista, com o tempo e estimulação, vão sair de seus casulos e se interessar por coisas maiores, mais difíceis e mais sofisticadas. Não deixem suas crianças sentadas no cadeirão ou no chiqueirinho, manuseando brinquedos repetitivos – isto só faz com que eles cada vez mais se fechem em seu mundo e repitam os mesmo movimentos repetitivos. Expliquem como funciona um brinquedo mais difícil ou invente uma brincadeira interessante e mais complexa.
Quer algo mais gostoso do que brincar com água, ainda mais neste calorão que está fazendo? Baldes com água, potes com farinha, feijões e tinta guache, fazem uma sujeira tremenda, mas estimula o autoconhecimento da criança: ela vai prestar atenção nas mãos, nos dedos, no formato dos pingos coloridos no chão. As cores se misturando, a “gororoba” da farinha com a água e a textura da massa. Isso fará com que o cérebro comece a questionar, tipo: “mas que porcaria engraçada é essa?!”
E com o tempo e toda esta estimulação e descobrimentos, estou certa e tenho o Guille como prova viva disto, que eles irão ter pensamentos mais elaborados. O Guille não pode ver uma câmera fotográfica que fica super entusiasmado. O Eduardo Guilhon, é um fotógrafo da SpecialKids, lá de Florianópolis e que pela 2ª vez veio visitar e trabalhar na Retech. É lógico que ele adora o Edu – mas mexer na máquina fotográfica é melhor ainda! E ele quer saber como funciona e o que faz cada coisa e botão... Coitado do Edu!
Amigos e amigas de luta, não desistam, mas tentem pensar como eles. É difícil tentar entender o que se passa nestas cabecinhas – mas tenham certeza de que não estão vazias! Tem muita coisa lá dentro querendo entender e ser entendida.
Mas como eu disse no começo, antes de querer entender toda a complexidade da Teoria das cordas, temos que começar com o básico: 1+1...
Beijos do Guille e meus!