Para quem nunca ouviu falar na REATECH, ela é a Feira Internacional de Tecnologias em Reabilitação, Inclusão e Acessibilidade, a 2ª maior do mundo neste setor (perde apenas para a Alemanha) e reuniu expositores, que variam desde ONGs e associações de deficientes até fábricas e montadoras de veículos que mostraram tecnologias em modelos adaptados. Este ano foi comemorativo da 10ª edição da Reatech. Já vou avisando que esta postagem vai ser longa, pois tenho muita coisa para falar e mostrar!
Comemorativo da 10ª edição da Reatech
Deve ser coisa do destino, mas há muitos anos atrás eu visitei a Reatech, por dois anos seguidos, movida por mera curiosidade, apesar de já naquela época saber que o Guille tinha algum problema (até então ele não tinha o diagnóstico de SA). Quem diria que agora eu estaria pelo 2º ano consecutivo participando dela como EXPOSITORA, divulgando a Síndrome de Angelman!! De uma forma geral, a Reatech é destinada a pessoas com deficiências físicas, intelectuais, visuais, auditivas e múltiplas, seus familiares e profissionais que prestam serviços a este público, porém, cada vez mais vejo que o público está mais heterogêneo: pessoas sem qualquer deficiência ou familiar deficiente, visitam a feira para conhecer as novidade, “incluírem-se” neste universo tão pouco conhecido que é o mundo das deficiências de um modo geral.
Além dos expositores e dos deficientes, a Reatech reúne no mesmo evento, fisioterapeutas, equoterapeutas, fonoaudiólogos, médicos, ortopedistas, terapeutas ocupacionais, pedagogos, psicólogos, assistentes sociais, advogados, arquitetos, engenheiros, profissionais de RH, entre outros. A cada ano a Reatech fica mais interessante, e nesta 10ª edição ocorrida de 14 a 17 de abril, vi como surgem novas e mais coisas voltadas para deficientes. Incrível.
Este mercado é um filão que está sendo descoberto pelas pessoas e empresas, e que descobriram que se fizerem as coisas direito e bem feitas, terão clientes cativos para o resto da vida.
“Para o resto da vida?!”
Sim, para o resto da vida. Apesar de nossa torcida para que a medicina desenvolva técnicas com células tronco que reabilitem pessoas que ficaram paraplégicas ou tetraplégicas, por enquanto os cadeirantes só podem contar com tecnologias que melhorem sua qualidade de vida, e isso vai desde cadeiras de melhor qualidade até colchões, almofadas e elevadores que podem ser instalados na escada da residência e aparelhos de ginástica específicos para cadeirantes
Já ouvi muita gente dizer que deficientes intelectuais não geram riqueza, porque não trabalham; não são pessoas produtivas e só dão despesa... PÁRA TUDO!! Olha só que bobagem imensa essa...
Vou tomar como exemplo o Guille. Uma criança normal (e quando digo normal é sem deficiência - acho que nem preciso explicar muito o uso dos termos né?), usa fraldas até que idade? 3 ou 4 anos? Vamos dizer que até os 5 anos de idade. O Guille usou fraldas direto até os 5 anos. A partir daí ele aprendeu a pedir para fazer xixi e só colocávamos a fralda durante a noite. Agora aos 12 anos, só colocamos durante a noite preventivamente, porque geralmente ela amanhece seca. Que criança “normal” usaria fraldas até os 12 anos? Quanto nós gastamos em fraldas neste tempo todo? Quanto de imposto embutido em cada pacote de fralda foi arrecadado? E tem mais...
Ele faz hidroterapia, fisioterapia, sessões com psicóloga, equoterapia, etc... Quantos empregos estão sendo gerados? As órteses (goteiras) que ele usa e que precisam ser refeitas conforme ele cresce, não gera empregos especializados? Ele não trabalha, com certeza, mas no final das contas, ele gera muito mais lucro do que uma criança sem deficiência. É uma mera questão de contabilidade – contabilidade que por sinal os países do 1º mundo já fizeram e viram que os deficientes são uma fonte de renda, impostos e lucros permanente. Só aqui no Brasil que parece que não souberam fazer as contas...
Voltando à Reatech e o que há por lá. No caso dos Angelmans, de outras síndromes e doenças ou condições decorrentes de acidentes, em que a comunicação é um problema, existem formas de comunicação alternativa, seja através de pranchas com desenhos, placas, e até um dispositivo laser que permite ao usuário tetraplégico poder digitar palavras e escrever textos no computador, tendo inclusive a possibilidade de acoplar um sintetizador de voz que “fala” o que foi escrito. Igual ao usado pelo cientista Stephen Hawkins. As novas tecnologias desenvolvidas me surpreendem a cada nova edição da feira. E quem gosta de novidades fica deslumbrado!
Uma amiga que eu não via há mais de 25 anos me encontrou no Facebook. Ambas ficamos super felizes e tínhamos muitos assuntos para pôr em dia. Quando ela soube que eu estaria expondo na Reatech, disse que iria me visitar lá. Claro que quando ela entrou no pavilhão de exposições, ficou boquiaberta com a imensidão daquilo tudo. Quase não conseguiu me encontrar, já que é enorme a quantidade de estandes, e quando me achou foi aquela gritaria, beijos e abraços! Então perguntei se ela já tinha ouvido falar da Reatech ou visitado alguma vez. Ela disse que era a 1ª vez e que ficou chocada ao saber que os deficientes correspondem a 15% da população.
- “Aonde estão todos estes deficientes, estes 15% que a gente não vê?!”
Ela mesma respondeu: excluídos. Achei tão importante a visita dela a Reatech, no sentido de que é uma pessoa que não convive com um deficiente, ou seja, este universo não é parte do dia-a-dia dela. Pude ver através dos olhos dela, o que uma pessoa de fora enxerga. Claro que ela é uma pessoa inteligente, instruída, desprovida de preconceitos. Imagino que ela deve ter se sentido como Alice no País das Maravilhas, versão Hi Tech... grupos enormes de surdos conversando num agitar frenético de mãos; cadeiras de rodas circulando para cima e para baixo a todo vapor; deficientes visuais assistindo filmes no cinema adaptado para eles (pois é, tudo que está sendo exibido na tela é descrito e falado via fones de ouvido); havia pessoas pequenas, pessoas ainda mais pequenas, pessoas sem deficiência alguma... tudo junto e misturado!
Ela me disse que em determinado momento um pensamento cruzou sua cabeça e ela imediatamente se recriminou por isso. Haviam modelos nos estandes das montadoras de carros, e como em qualquer feira de automóveis, são mulheres lindas. Então de repente ela viu que a linda modelo não tinha um dos braços!
- “Ai que pena” – ela pensou – “Tão linda e sem um braço”. E imediatamente ela pensou consigo mesma: “Pena por quê??!! Ela é jovem, bonita, e mesmo sem um braço, está trabalhando, ganhando seu dinheiro e vivendo plenamente a vida”
Ela me contou isso tão espantada com a reação que teve, pois ela sabe que o deficiente não é para se ter dó ou pena, e ela não tem este tipo de preconceito ou conduta, mas, inconscientemente todos nós, de alguma forma acabamos tendo estes “lapsos”. Eu não me eximo do grupo não. De vez em quando me pego pensando algo assim e na hora me puno por pensar tal bobagem.
A Reatech é um lugar para se fazer novos amigos também. Este ano o Guille ganhou um super amigo! O nome dele é Eduardo Guilhon! Quem já leu minhas postagens anteriores já conhece a SpecialKids Photography; quem não leu, é o seguinte: certa vez, uma mãe nos Estados Unidos levou seu filho deficiente para fazer uma sessão de fotos e o fotógrafo disse que não fazia fotos com crianças como o filho dela (sem comentários...). Até que depois de muita procura ela encontrou um fotógrafo que disse: “Nunca fiz, mas posso tentar”. A partir desta experiência surgiu a idéia de criar a SpecialKids Photography (SKP), que habilita fotógrafos a trabalhar com crianças com diferentes deficiências e promove um trabalho de inclusão social através da fotografia. A SpecialKids Latin América chegou ao Brasil ano passado através do fotógrafo Rubens Vieira, e o Guille foi uma das crianças a ser clicada por ele. Quem quiser ver e saber mais sobre o trabalho da SpecialKids e do Eduardo Guilhon é só visitar os sites:
http://specialkidsphotography.com.br/blog
http://www.guilhonfotografia.com.br/blog/
Rubens Vieira, fotógrafo da SpecialKids
Guille clicado pelo Rubens para a SKP
Nesta 10ª Reatech a SpecialKids montou uma exposição fotográfica imensa e maravilhosa e uma das fotos exposta era do Guille!! Eu sou mãe coruja e fiquei lá babando... cada um que passava pela exposição eu falava: “Aquele ali é meu filho!” E quando as pessoas viam a foto e que o “modelo” estava ali ao vivo, todas queriam tirar fotos com o Guille... tiveram que me tirar do teto do pavilhão, pois eu estava flutuando nas nuvens, cheia de orgulho... hehehe
O Rubens apresentou o Guille ao Eduardo, e aí o negócio ficou sério... o Edu é um doce de pessoa, com uma câmera fotográfica ultra moderna pendurada no pescoço; o Guille é um cara-de-pau fanático por equipamentos eletrônicos (é só ter botões que ele ama). Foi amor à primeira vista – ou ao primeiro click... Bastou o Edu deixar o Guille mexer na câmera dele que a mágica aconteceu! E foi mágica mesmo!
As fotos que o Edu tirou do Guille ficaram lindas, e o Edu deixou o Guille fotografar também! E as fotos que o Guille tirou ficaram ótimas!! Abaixou vai uma seqüência de fotos tirados do/pelo Guille:
O mais interessante foi uma das fotos que o Guille tirou e o Eduardo só percebeu depois: como ele é muito alto, não fotografava os cadeirante; e como o Guille estava na cadeira, tirou fotos de cadeirantes... dupla perfeita – um tira fotos aéreas e o outro as fotos de campo!
A Reatech também traz outras atrações: novas tecnologias, equipamentos e serviços para portadores de necessidades especiais; oportunidades no mercado de trabalho; esportes adaptados; terapias; fisioterapia e hidroterapia; higiene pessoal; informática; publicações; espaço interativo para apresentações artísticas, culturais e esportivas produzidas por e para pessoas com deficiência; etc.
Ela apresenta todos os meios de se promover a inclusão das pessoas com deficiência na sociedade. Oportunidades de empregos, nos mais variados setores. O encontro das mais diversas deficiências faz com que o respeito entre elas seja evidenciado. A participação de pessoas sem deficiência, por algum tipo de ligação, ou apenas por curiosidade é outro fator que chama atenção, pois elas têm curiosidade em saber um pouco sobre cada deficiência ou instituição.
Ah... meu sonho de consumo bem como o de inúmeros paraplégicos ou com deficiência em membros inferiores... para quem não sabe eu já operei a coluna 2 vezes, tenho Lúpus e artrite reumatóide – o que não me impediu de andar de moto até 2 anos atrás, quando fui atropelada por uma Kombi e aí acabou de vez com a minha coluna. A moto ainda está aqui olhando para mim, como se perguntasse “quando é que você vai me levar para passear de novo?” Bem, por enquanto não, já que a última cirurgia é muito recente, mas olha que legal as adaptações feitas. Estas são as nacionais (Burgman 125 e Burgman 400). Mas existem também as importadas, produzidas pela Bombardier.
Diversão não falta também! E para todas as idades e condições físicas. Não há criança que não tenha curiosidade e vontade de dar uma voltinha numa cadeira de rodas (quem disser que não é mentira!!). Então havia uma pista oval para corrida em cadeiras de rodas. O engraçado é que 90% dos “competidores” eram não cadeirantes! O Guille chegou em 2º lugar! Olha a cara dele chegando na linha final!
O Guille anda, mas em lugares muito grandes preferimos leva-lo na cadeira, pois ele se cansa rápido – fora o fato de que na hora que o deixei andar sozinho por 1 minuto ele esbarrou em 2 deficientes visuais e derrubou o 3º... foi o maior strike!
Havia também uma quadra de volley para amputados – todos jogam sentados – então os não amputados também podiam jogar! E os caras jogam muuuuito!! Cortam, levantam, bloqueiam... é show! O ex-jogador da Seleção Brasileira de Volley, Amaury, estava lá também.
No último dia teve a premiação do campeonato de tênis de mesa para deficientes. Mas o trabalho que mais me deixou bem impressionada foi esse desta foto abaixo:
Esta moça de blusa amarela é deficiente visual. Então o rapaz vai no assento da frente guiando e pedalando e ela no assento de trás, pedalando. Ficaram andando de bicicleta por 30 minutos pelo lado externo do pavilhão. Ela nunca havia andando de bicicleta e estava super feliz com a sensação de estar andando de bicicleta. Não é demais poder fazer alguém feliz com uma coisa tão simples??!!
A SÍNDROME DE ANGELMAN
Nosso estande (ACSA) divulgando a Síndrome de Angelman foi um sucesso. Eu vou confessar que é o evento mais cansativo do calendário, pois são 4 dias em pé, por mais de 12 horas, distribuindo folders, explicando o que é a SA, respondendo perguntas... e quando acaba um grupo de pessoas, em seguida vem outro grupo e começa tudo de novo. Eu faço isso com o maior prazer, mas no fim a Reatech, a voz já era. Por isso quando dizem “você tá com cara de fim de Reatech” significa que você está acabado...rsrsrsrs. Mas o retorno é tão gratificante que isso é o de menos.
No 3º dia de Reatech (sábado), meus pais foram com o Guille e me deram carona na volta. Eu estava que era um bagaço só. Minha mãe me perguntou se toda essa dor nas pernas, nas costas, no corpo todo valia a pena.
“Todo dia que eu consigo falar, nem que seja para 1 pessoa, o que é a Síndrome de Angelman, vale a pena.”